terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A vanguarda, segundo Rubinstein

Um senhor fica a observar por três longos minutos os músicos da orquestra do Concertgebouw de Amsterdam, regida por Bernard Haitink. A entrada do piano no 3º Concerto para Piano e Orquestra, op. 37, de Beethoven é um dos momentos mais impactantes da música. É de faltar o ar. É o oposto do que acontece ao se ouvir o início da ópera ‘Tristão e Isolda’, de Richard Wagner. O Prelúdio é tão sublime que faz com que o tempo “pare”. Desse universo imaterial de sons mágicos, com a entrada das vozes, voltamos ao mundo terreno.

Rubinstein, aquele que sabia viver
No Concerto de Beethoven, no primeiro movimento, o breve silêncio – que se faz após a introdução da orquestra e o primeiro ataque do piano – parece infinito. O allegro con brio chega em ondas de colorações, dramáticas ou doces, no entanto sempre enérgicas, num turbilhão que nos paralisa. Desse estado “tenso”, o início do segundo movimento nos transporta a um outro lugar. Largo, bem lento, como uma vaga em câmera lenta, que nos invade, subrreepticiamente, em contraste ao primeiro movimento. Esse senhor de 86 anos de cabelos totalmente brancos e um pouco rebeldes, com um olhar vago que, de vez em quando, se desvia e dirige-se aos movimentos do maestro, chama-se Arthur Rubinstein.

Esse pianista, que morreu com 96 anos, viveu pouco mais de 80 anos do século XX. Simbolicamente, como Picasso, são os protagonistas desse século. Fez parte de um tempo glorioso em que aconteceram grandes revoluções políticas, econômicas e artísticas. Presenciou as grandes mudanças e grandes tragédias como o Holocausto e duas guerras mundiais que mudaram a geografia do mundo e que, mais uma vez, demonstraram que a humanidade não evoluiu muito e o que vale é a eliminação do “inimigo” a todo custo em razão de uma “boa” causa. Mas Rubinstein, filho de judeus poloneses, viu que o melhor de tudo era viver bem e soube tirar o maior proveito dela por conta de seu talento excepcional em emocionar os amantes da música. Para alguns pode parecer frívolo demais desfrutar dos prazeres da boa mesa, dos bons vinhos, dos charutos cubanos, de ser amigo de Picasso, de Jean Cocteau, de ter pinturas de Chagall penduradas na parede e, principalmente, de amar muitas mulheres. Parece até que a música ficou em segundo plano, mas é o contrário; foi um virtuose que deu muito tanto prazer aos seus ouvintes como o que teve em sua longa vida. Aos 87 anos, separou-se para viver um outro amor.

Excepcional intérprete de seu conterrâneo Chopin, foi também de seus contemporâneos. Nos primeiros anos dos 1900, os russos Kazimir Maliévitch, Maiakovsky, Rodchenko, cada qual com suas artes específicas, revolucionavam a arte, assim como Picasso e Kandinsky. Na música, os franceses Debussy e Ravel eram vanguarda, assim como o russo Igor Stravinsky, que foi vaiado na apresentação de Sagração da Primavera. Nesse “mundo pequeno” “todos” se conheciam: era amigo dos compositores franceses, de Picasso, de Marc Chagall, de Jean Cocteau. E como viveu muito tempo, em entrevista dada a Robert MacNeill quando tinha 90 anos e já estava quase cego, falou sobre tocar compositores jovens – digo, jovens na década de 1970/80. É bem interessante o seu depoimento. As pessoas devem levar em consideração um pouco mais os seus gostos e o tempo em que vivem. Nessa ótica, tenho minhas razões de adorar um compositor contemporâneo como Olivier Messiaen e não me interessar nem um pouco por Stockhausen.

Leiam o que Rubinstein disse:
“Vanguardista não é exatamente o termo que utilizaria. Quando era jovem, me entusiasmava, como todo jovem, pelo novo. Briguei por Debussy, por Ravel, por Szymanowski, por Stravinsky, por Prokofiev. Eram pessoas da minha juventude. Agora, a vanguarda atual é boa para os jovens, não para mim. Estou completamente às cegas. Não entendo o que querem dizer. Acredito que não temos o direito de julgar o que não entendemos. Posso apenas julgar algo que entendo muito, muito bem. E posso dar-lhes motivos. Posso lutar pelo que penso e por tudo, mas o que posso dizer da música de Stockhausen ou Boulez, que produzem ruídos que, para mim, parecem incompreensíveis?”

O depoimento transcrito está nos “extras” do DVD Artur Rubinstein in Concert, da Deutsche Grammophon.

Vejam o 1º Movimento do 3º Concerto para Piano e Orquestra, de Beethoven.



Há uma quantidade enorme de vídeos das performances de Arthur Rubinstein no You Tube.

Republicação de texto postado pela primeira vez em 19/11/2009

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