terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Jeff Beck e Antonioni: água e óleo

Em uma cena do filme Blow Up, de Michelangelo Antonioni, o fotógrafo protagonizado por David Hemmings, vai parar num bar em que a banda de rock Yardbirds está tocando a música Stroll on. Dois de seus componentes, além de Eric Clapton, transformaram-se, mais tarde, em ícones da guitarra no rock. Os ingleses Jimmy Page, Jeff Beck e Clapton formam o grande trio da guitarra e, por coincidência, ou porque o mundo é muito pequeno, tocaram na mesma banda, os Yardbirds. Por conta do destino, Jimi Hendrix, aquele que é considerado o melhor guitarrista de todos os tempos, iniciou sua carreira na Grã-Bretanha, apesar de ser americano de Seattle. Todos moravam na mesma cidade em meados da década de 1960.

Jeff Beck, um ego do tamanho de sua habilidade
Por outra obra do destino, dos três ingleses, o mais prestigiado naquela época, ficou para trás. Clapton, que foi “Deus”, e Jimmy Page, que se consagrou no Led Zeppelin, ficaram mais famosos que Jeff Beck. Várias razões contribuiram para que isso acontecesse. Uma delas, provavelmente, foi o ego “gigante” de Beck e, consequentemente, sua dificuldade de trabalhar com pessoas que pudessem concorrer com ele. Em Blow Up, o amplificador Vox da guitarra de Jeff Beck começa a “chiar”. Ele se irrita, esmurra o amplificador, arrebenta a guitarra e a lança em direção à plateia. O público briga avidamente para pegar a guitarra destruída. O fotógrafo consegue pegá-la. Thomas – que deve ter sido inspirado no grande fotógrafo da “swinging London”, David Bayley – sai com ela e depois, joga-a no lixo. É claro que, sendo Antonioni, aquele objeto fetichizado tem um significado: jogá-lo fora é desprezar as idolatrias ou seus objetos. Numa entrevista, anos depois, Beck disse que odiou Antonioni, dizendo ser ele um cara “metido a intelectual” ou qualquer coisa parecida. Vejam, a “subversidade contracultural” de Antonioni não foi entendida pelo jovem Beck.

Depois desse filme, lançado em 1966, Antonioni dirigiu outro grande filme “contracultural” no seio dos Estados Unidos. Zabriskie Point, produzido pelo marido de Sofia Loren, o produtor Carlo Ponti, é a própria síntese daquele tempo, retratando revoltas estudantis, intermináveis assembleias, movimentos libertários contra a segregação racial. Zabriskie tem um dos finais mais impressionantes do cinema. Um palacete construído no alto de uma montanha, em que capitalistas discutem sobre um grande projeto imobiliário, explode em bilhões de partículas que voam pelos ares em camera lenta acompanhado pela música “psicodélica” de Pink Floyd. Antonioni era um cara antenado, atento aos movimentos do mundo. Ao mesmo tempo em que Godard fazia sua A Chinesa do outro lado do oceano, num discurso caracteristicamente na tradição europeia do pensamento, o italiano Antonioni foi à América para tentar entender o movimento contracultural americano in loco.

A “aparição” de Jimi Hendrix foi “mortal para o “Deus” Clapton. Eric ficara tão impressionado com Jimi, que quase desistiu de continuar a tocar guitarra. O alcool e as drogas não conseguiram destruí-lo e está até hoje na ativa. Deus foi bondoso com ele, pois sobreviveu a Jimi e a tudo. Deus também tem sido bondoso com Jimmy Page. Ele continua inteiro e ainda é referência para várias gerações de novos guitarristas. Jeff Beck, que era o grande do meio dos anos 1960, não teve a glória de seus conterrâneos britânicos e não é, por isso, menor. Continua um grande guitarrista, mas tem uma carreira, por vezes, errática. Tem grandes discos e um deles é o instrumental Blow by Blow, de 1975.

Jeff Beck é um estranho na seara do chamado jazz-rock,  jazz-fusion, jazz-progressivo, e outros “jazzis”. Nomes associados a esses gêneros são músicos de jazz que absorveram a linguagem do rock, como Chick Corea, Joe Zawinul, Herbie Hancock ou Miles Davis. Mesmo assim, Beck, músico nascido sob a influência do rhytm-blues americano, gravou um dos melhores discos fusion de todos os tempos. Acompanham Beck o tecladista Max Midleton, o o baixista Phil Chen e o baterista Richard Bailey. É um belo showcase das habilidades do guitarrista. Há uma química fenomenal com o Fender Rhodes de Middleton e os sons de Beck. A produção do mestre George Martin é perfeita. Abusa-se dos efeitos do estéreo nos sons que saem do piano elétrico: dançam nos canais esquerdo e direito, “etereamente”, flutuando sobre a marcação firme do baixo e da bateria. Beck tem um jeito diferente de tocar, recorrendo pouco da paleta, usando bastante o dedão (usa três dedos, incluindo o polegar) e, abusando da alavanca para distorcer o som, produzindo uma verdadeira miríade de sons possíveis. Além da infinidade de sons que Beck tira de seu instrumento, Blow by Blow é uma coleção de climas que se associam à sugestibilidade de títulos como Air Blower Scatterbrain e Freeway Jam. O momento mais belo, no entanto, é em ’Cause We’ve Ended as Lovers, de Stevie Wonder. É um clássico inesquecível. Para quem não conhece, creia, é um pedaço do paraíso.

Vejam Jeff Beck em ’Cause We’ve Ended as Lovers no Ronnie Scott:



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