terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

E o barquinho vai e a tardinha vem com Diana Krall

Os olhos e a voz de Diana
Dos DVDs de Diana Krall, provavelmente o mais bem produzido é o Live in Paris. Diane é acompanhado por uma orquestra regida pelo pianista neozelandês Alan Broadbent – parceiro do baixista Charlie Haden no Quartet West –, com arranjos de Claus Ogerman, que no Brasil é conhecido pelos arranjos de I, de João Gilberto e de vários álbuns de Tom Jobim. O nosso compositor maior, em uma entrevista, disse certa vez que o brasileiro precisava de um alemão para botar ordem na casa. Dos trabalhos em que Ogerman foi parceiro, talvez o álbum Urubu seja o que melhor desvela a simbiose que existiu entre eles. São arranjos primorosos que remetem à brasilidade de Tom e de Villa-Lobos. Berimbaus, apitos, percussões bem brasileiras se fundem com as cordas, flautas, o oboés, fagotes e tubas. Notas de um piano elétrico – o instrumento que os puristas do jazz adoram odiar – se juntam aos sons da orquestra e constroem um tecido de rara sofisticação. Já deu para notar que é meu disco preferido de Jobim? Ouçam as cordas e as madeiras que introduzem Saudade do Brasil. No meio entra um coro que parece um canto de sereias. Obra-prima.

Se Live in Paris pode ser considerado o melhor no quesito produção, para nós brasileiros, com certeza, o recentemente lançado Live in Rio ocupará um lugar especial. É um hino de amor de Diana ao Rio e à bossa nova. Entremeado com visões deslumbrantes da cidade do Rio de Janeiro, o show tem momentos de pura emoção pela empatia que houve entre o público e a cantora.

Manhã na cidade. O sol nem ainda nasceu. O dono do bar abre as portas e a luz amarelada contrasta com o resto da paisagem urbana azulada. Morro dos Dois Irmãos, Cristo Redentor, o bonde de Santa Teresa, o menino malabar que se exibe atrás de um troquinho, o macaco que exercita seu equilíbrio no topo de um poste de iluminação, o Jardim Botânico e, por fim, Diana sentada em frente ao mar, são o prelúdio para I Love Being Here With You. Na primeira música, insere um “caco” na letra para dizer que está adorando estar no Rio. No primeiro minuto o público já é refém de Krall. Na segunda faixa, Let’s Fall in Love, a introdução é uma guitarra malemolente de Anthony Wilson para a entrada da voz limpa de Diana. Breque. Volta o piano para que o baterista Jeff Hamilton e o baixista John Clayton a acompanhem. A câmera se fixa no seu rosto. Comentando do DVD com uma amiga, babando disse: “como ela é linda!” Ela respondeu: “Eu não acho. Ela é feia, meio queixuda.” Pensei comigo: “Pra quê discutir com madame.” Para algumas pessoas, às vezes é difícil suportar a beleza de outra e, no caso de Diana Krall, o talento também.

De 1993, ano do lançamento de seu primeiro álbum, Steppin’ Out, pela gravadora canadense JustinTime, até agora, adquiriu uma maturidade impressionante. À guisa de seus ciumentos detratores que dizem que piorou depois de casar com Elvis Costello, ela está melhor. Krall transmite uma tranquilidade de quem está de bem com a vida. E é isso que fica patente em sua interpretação meio bossa nova de Where or When?. No dvd entram cenas de Copacabana, arranha-céus e transeuntes atravessando nas faixas brancas antes do início de Walk on By. Depois, canta Cheek to Cheek, de Berlin. A seguir, a bela You’re My Thrill e um emocionante Everytime You Say Goodbye, verdadeira declaração de amor a Costello e a seus filhos, que estão em Vancouver.

Porém, o melhor está para acontecer. Canta So Nice, a versão em inglês do clássico Samba de Verão, gravado por meio mundo, de Marcos Valle. Em Quiet Nights, Diana canta em inglês e o público, em português. De arrepiar. As notas finais de seu piano se fundem à imagem do mar carioca. São tantos os intérpretes estrangeiros que se arriscam a cantar em português que nos acostumamos à estranha sonoridade de nossa língua cantada pelos “gringos”. Acabamos até achando charmoso. Especialmente se é alguém como Diana, que revela seu amor pelo Brasil e pela bossa nova. Sua voz sensual é a perfeita combinação com o gênero. Quando chega a vez de The Boy from Ipanema – vocês conhecem a versão masculina de The Man I Love cantada por Tony Bennett? – de novo o público canta junto e aí é puro êxtase. Emocinante, com direito a algumas lágrimas do baixista John Clayton e expressões de felicidade estampadas nos rostos dos músicos e no dela também.

As favelas cariocas fazem uma parede nas telas de TV. Grande solo em I Didn’t Know Enough About You. A influência de seu pianista favorito, Nat “King” Cole, que como ela, começou tocando e depois descobriu-se cantor está impressa nesse solo e em sua versão de Exactly Like You, no bis. O outro bis é ’S Wonderful, de Gershwin. Esta canção é emblemática no sentido em que, mesmo sendo uma composição americana, João Gilberto em sua gravação de 1977 a transformou num standard “brasileiro”; e a interpretação de Krall é calcada nessa interpretação. É claro que há a coincidência do arranjo orquestral ser do mesmo Claus Ogerman. João não é o pioneiro. Frank Sinatra fez de Change Partners, de Irving Berlin, I Concentrate on You, de Cole Porter e Baubles, Bangles and Beads (Wright, Forrest, Borodine) – clássicos americanos até a raiz – tornarem-se “brasileiras” no mais que célebre álbum Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim. Neste disco – não é mera coincidência –, os arranjos são de Claus Ogerman. O DVD traz um “extra” muito bom com entrevistas com Krall, os músicos e o produtor Tomy LiPuma além do vídeo promocional com o The Boy from Ipanema. É para não deixar de ver.


So Nice, o “samba de verão” de Marcos Valle.

 


O “garoto” de Ipanema.




Grande Walk on By, grande arranjo de Claus Ogerman.





Leia sobre o disco novo (Glad Rag Doll) em: http://bit.ly/SXUK9k

Nenhum comentário:

Postar um comentário