quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Scarlett Johansson: ela até canta

Scarlett e o “tiozinho” Woody Allen
É bem antiga essa história de atrizes que cantavam. Uma das raízes do cinema americano está na tradição de musicais encenados nos palcos. Há uma infinidade de cantoras/atrizes, algumas excepcionais, como Judy Garland. Atrizes queriam cantar e cantores queriam atuar. O maior de todos os tempos não era mau ator. Frank Sinatra era um grande showman… e bom ator. Seus programas para a televisão eram divertidos. E seus amigos Dean Martin e Sammy Davis, Jr. também. Existiram, no entanto, atrizes que cantaram e nos encantaram mais pela beleza e pelos rebolados. Não estou falando de Carmen Miranda. Falo de Marylin Monroe.

Scarlett Johansson é atriz desde criancinha, como Drew Barrymore e Shirley Temple. Como Drew, cresceu. Menos escandalosamente, é certo. Alguém se lembra de Scarlett no belo filme O Encantador de Cavalos, dirigido e protagonizado por Robert Redford e Kristin-Scott Thomas? Quem faz a menina Grace tinha treze anos na época. Cresceu e fez Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola. Bob (Bill Murray) é um ator decadente, que é contratado para fazer um comercial para uma fábrica japonesa de bebidas. O blasé Murray conhece casualmente uma garota no bar do hotel – que é casada com um fotógrafo de celebridades – cujo nome é Charlotte. Advinhem o que acontece? A cena dela de calcinha vermelha vai ficar como um dos momentos antológicos, é certo que sem a majestade de um “Isso é o começo de uma grande amizade” proferido por Humphrey Bogart em Casablanca. Saindo um pouco do assunto, o título ‘Lost in Translation’ refere-se às dificuldades do diretor com o tradutor em transmitir corretamente as orientações ao ator americano. Refere-se também a algo que se “perde” nas diferenças geracionais entre uma jovem e um sessentão e entre a cultura ocidental e oriental. Mas, para quem entende um pouco de japonês, o verdadeiro “lost in translation” está nas legendas em português. Por exemplo, o diretor diz mais ou menos: “olhe, não é assim; você tem que fazer uma cara de quem está tomando o melhor whisky do mundo e não um que é vendido num posto de estrada.” Tradução: “Imagine que você está segurando um copo de whisky de primeira”. As frases, longas em japonês, viram uma breve frase no inglês e no português. Não acontece apenas com esse filme. Em qualquer filme japonês, seja de Kurosawa ou Kore-Eda, é assim. Para os que entendem um pouco de japonês é uma diversão cotejar as legendas com o que é falado. A impressão é a de que, ao contrário do que se imagina, a língua japonesa não é sintética.

Scarlett, quando foi dirigida por Sofia Coppola, não tinha 20 anos. Em razão desse filme tornou-se “A” estrela dos “tiozinhos”: quarentões, cinquentões e outros “ões” babaram por Johansson. Coincidência ou não, tornou-se uma das preferidas de um “tiozinho” de respeito: Woody Allen. Trabalhou em Match Point, Scoop e Vicky Cristina Barcelona. E protagonizou A Menina do Brinco de Pérola (Girl with a Pearl Earring), em que faz à perfeição o papel de modelo e serviçal do pintor Vermeer. Mas não dá para imaginar que não tenha se tornado objeto de desejo dos jovens e adolescentes também. Com um portfólio desses, tendo trabalhado com diretores do primeiro time – além de Allen, Redford e Sofia Coppola, Rob Reiner, Christopher Nolan e Brian DePalma – é surpreendente que tenha só 25 anos. Não é pouco. Não bastasse, Scarlett resolveu cantar.

Em 2008 lançou o CD Anywhere I Lay My Head, com composições de Tom Waits, participação de David Bowie em duas faixas e mesmo produtor dos discos de Clap Your Hands Say Yeah. Parece que recebeu uma acolhida morna pela crítica. A revista americana ‘Rolling Stone’ deu 2½ estrelas. Não conheço o disco. Agora, acabo de ganhar o CD Break Up, que Scarlett gravou com Pete Yorn, presente da amiga Vania Nalin, que me trouxe de Paris, quentinho: acabou de sair. Seria um pouco de “babação” dizer que é bom. Com estrelas, ou se é condescendente, ou inclemente. Como não ser uma dessas coisas ou ser ambos? O cd, na falta de melhor termo, é meio “molenga”. Falta um certo punch. Do que falar mal da voz pequena e afinada, mas com certo charme – estarei sugestionado por sua beleza, por aqueles lábios carnudos? –, ou da voz de Pete Yorn, que é bem “normal”, com direito a alguns “gemidos” parecidos aos de Bono Vox. Falta alguma coisa. A voz certinha de Johansson parece um pouco a de Kim Deal (ex-Pixies), que era da banda Breeders. Pra não dizer que não gostei do CD, podemos destacar a música Clean, apesar de a voz de Pete estar parecida demais com a de Damien Rice, autor de The Blowers Daughter, aquela música que (des)mereceu uma versão horrenda, cantada por Ana Carolina e Seu Jorge. Àqueles que não conhecem a original, corram para ouvi-la. É genial. I Don’t Want to Do é uma faixa dramática light, se isso existe. As balançadinhas, às vezes, parecem constrangedoramente primárias. Em Search Your Heart, parece uma sub-Blondie, se quisermos compará-la a mais uma bonitona.

La Johansson tem o aval de diretores de primeira, foi indicada várias vezes para premiações como o Globo de Ouro, é jovem e parece que deseja mostrar que não é “apenas mais um belo rosto nas telas”. Se ela quer nos convencer que é boa atriz, temos o tempo a favor. Um novo dado: terá de nos convencer que é boa cantora também. Quanto a concorrência – digo dos que estão vivos –, temos Jane Birkin, famosa pelo seu Je t’aime moi non plus, composição de seu marido à época, Serge Gainsbourg, nos anos 1970, que com perto de 60 anos lançou álbuns “simpáticos”. Sua filha Charlotte Gainsbourg, que não é lá muito bonita –herdou a magreza da mãe e a rusticidade do rosto do pai – tem provado ser boa atriz, e lançando-se cantora, tem recebido as graças da crítica. A concorrência não é fácil. Charlotte tem se mostrado mais inteligente em escolher parceiros. No disco de estreia, é nada menos que o brilhante Jarvis Cocker, ex-fundador da banda Pulp e, atualmente, em carreira-solo.

Como no mundo poucas coisas acontecem por acaso total, parece que o irmão de Pete é agente de Scarlett.

Veja e ouça Blackie’s Dead.



Texto publicado originalmente em janeiro de 2010

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