sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O disco “francês” de Milton Nascimento

É sempre bom ouvir Milton Nascimento. Se não lança um disco de inéditos há bom tempo, pouco importa. Devido às mudanças do mercado fonográfico por causa dos downloads piratas e compras de músicas pela Internet, o produto físico – o CD – vende pouco. O lado bom é que acabou aquela “obrigação” dos artistas gravarem um disco por ano. Acho que nem Roberto Carlos faz isso mais. Melhor assim: os lançamentos acompanham o fluxo criativo do artista.

Milton com os Belmondo
No fim de 2009 a gravadora Biscoito Fino lançou o CD Belmondo & Milton Nascimento. Vi o CD exposto em várias lojas da rede Fnac, em Paris. Acabava de ser lançado… em maio de 2008. Não imaginei que fosse sair no Brasil. Portanto, estou com ele há mais quase três anos. É bom, como tudo em que Milton participa, mas o disco não é exatamente dele. A capa francesa é um “dupla-face”: num dos lados, a foto dos Belmondo, no outro, Milton.

Que saudades tenho da energia quase primitiva de suas interpretações dos primeiros discos. Não era apenas uma voz negra especial: era “A VOZ”, com caixa alta. O lp Milton, de 1970, lançado pela EMI – aquele da capa em que tem a silhueta do perfil de seu rosto contra um “Milton” grafado em letras alaranjadas – é um tributo à universalidade da música, dos latinismos à influência dos britânicos Lennon & McCartney. Que letra mais bela tem Amigo, Amiga, onde quem “canta” é a água, que é o “pensamento que viaja”, a água que “quando viaja por terra”, sente-se mais segura “em terras de beira-mar”. Belas imagens do parceiro Ronaldo Bastos. E que diferença faz a percussão de Naná em Pai Grande. A música ganha dramaticidade na mistura que só ele faz com sons percutidos e vozes que formam um conjunto unívoco. De Clube da Esquina e Para Lennon & McCartney não é preciso dizer nada, senão estraga. As participações de Wagner Tiso nos teclados e arranjos, Zé Rodrix tocando de tudo – de órgão a flauta – o carioca Frederiko na guitarra, Tavito na guitarra também, Luís Alves no baixo, o fabuloso Robertinho Silva na bateria e a participação mais que especial da percussão de Naná Vasconcelos foram essenciais para toda essa energia.

Que força tinham o Milagre dos Peixes em estúdio e ao vivo no Teatro Municipal em Cais ou em uma composição alheia como Chove Lá Fora, do pirajuiense Tito Madi, na música em que Clementina de Jesus canta “volto do trabalho, eh” ou em Sacramento. Um dos motores dessa força era o arranjador e tecladista Wagner Tiso e os componentes de seu Som Imaginário. Tiso e seus companheiros eram agentes que impulsionavam a energia anímica que emanava de Milton. Neste CD de Belmondo, a impressão é a de que falta um pouco dessa força primordial presente nos primeiro discos.

O trumpetista Stephane Belmondo e o saxofonista e flautista Lionel Belmondo participaram do álbum Love and Peace, da cantora de jazz Dee Dee Bridgewater interpretando o hardbop Horace Silver, em 1996. Já é um bom pedigree acompanhar uma das melhores intérpretes de agora, além da honra de tocar com o grande pianista e compositor Silver. Não conheço mais nada deles.

É um bom disco? Sim. Falta, porém, aquele “plus”. Na primeira faixa, o belo flugelhorn de Stephane e a vocalise de Milton antecipam a entrada da orquestra para Ponta de Areia. A flauta de Lionel, toques de harpa abrem para a entrada do flugel e da orquestra. É a Canção do Sal. Belo arranjo na impecável combinação das cordas com as madeiras. Mas falta, advinhem o quê? Sal.

Oração é uma das mais belas faixas. É uma adaptação do arranjador Christophe Dal Sasso sobre obra de Cesar Franck. A orquestração é magistral. O trumpete em uníssono com a vocalise de Milton e as cordas de fundo combinam-se harmonicamente. Logo mais, Milton muda o registro da voz. Então é o sax soprano que faz o uníssono. O piano de Eric Legnini, sobre as cordas, faz a passagem do clima da música e, com a entrada do baixo, inicia-se um solo de trumpete. No final é a voz de MN, o sax soprano e as cordas. Dá para emocionar. Pode não ser tão intenso quanto A Chamada, mas vale.

Morro Velho é sempre lindo. A orquestração é sofisticada e apenas valoriza este clássico. Em contrapartida, o arranjo de Nada Será Como Antes não convence.

O disco Minas, em 1975, foi um impacto e deve ter marcado a vida de muita gente. Milton já vinha de uma sucessão de grandes discos, mas este significou a sua consagração. Tinha Beijo Partido, de Toninho Horta, Fé Cega, Faca Amolada, Ponta de Areia, a força dramática de Trastevere e de Simples, a delicadeza de Paula e Bebeto e, especialmente, Saudades da Panair (Conversando no Bar) em brilhante arranjo que modula as situações e ambiências da brilhante letra de Fernando Brant. Elis tinha gravado antes, mas a deste disco era infinitamente superior, que é o mesmo que acontece em relação ao registro dos Belmondo.

Na realidade, o disco não é propriamente de Milton. É sim, um álbum em que Lionel e Stephane Belmondo tocam composições de MN e o têm como convidado. Assim, vale mais a concepção deles e, nesse sentido, é impecável com os sensíveis arranjos de Lionel e Christophe Dal Sasso. Mas, que dá saudades daquela energia das interpretações de Milton, dá.

Veja e ouça Milton e Belmondo em Cais:


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