Nunca imaginei que uma música tão caracteristicamente “stoneana” pudesse receber uma interpretação tão diferente. Aposto que boa parte da humanidade deva ter ouvido alguma vez (I Can’t Get No) Satisfaction. Ela parece indissociável à voz de Mick Jagger, o vocalista dos Rolling Stones. Mas houve a versão igualmente “power” perpetrada pela voz e energia excepcionais de Otis Redding. Muito tempo depois, mais exatamente em 2000, surgiu uma versão que era tão diferente que, nem pelo refrão diríamos que era ‘Satisfaction’. Quem a entoava era uma voz melancólica, levemente rouca e anasalada, muito triste… e atraente. Quem era essa mulher? Cat Power? Nome estranho e enigmático, que podia, se visto sob uma ótica diferente, meio bobo também. O que nos fazia imaginar que era o nome de uma cantora, era o nome da banda de um componente apenas, como Durutti Column, cujo compositor e componente era Vinny Reilly. Belo nome, mas o que o anarquista Buenaventura Durruti, que comandou três mil homens no que ficou conhecida como Coluna Durruti (a banda de Reilly é grafada Durutti Column, com dois “t” e um “r”) que lutou contra Franco na Guerra Civil Espanhola tinha a ver com o tipo de música tão melancólica, tanto ou mais que a de Cat Power. Desfeito o enigma, o nome que se escondia atrás de Cat Power era uma moça chamada Chan Marshall.
Não é a primeira vez que Cat vem ao Brasil. Deve ser a terceira, o que nos faz imaginar que não seja tão desconhecida dos brasileiros; ou Chan deve ter gostado muito do Brasil. Não seria o primeiro astro a se maravilhar com o país. É bem conhecida a estada do australiano Nick Cave, que se casou com uma brasileira e morou durante alguns anos na Vila Madalena em São Paulo. Era figurinha fácil visto a circular num fusca pelas ruas paulistanas. O falecido Jim Capaldi, cofundador do Traffic, e o saxofonista que sempre toca nas apresentações dos Rolling Stones, Bobby Keys, apaixonaram-se por brasileiras e foram parar no Rio de Janeiro. Há alguns anos comentou-se que Chrissie Hynde iria mudar-se para São Paulo. Por onde andas, Chrissie?
Se essas vindas constantes de Chan são apenas coincidências, pelo menos, será um modo de ampliar seu número de admiradores. Sou fã muito antes dela aportar por essas terras. Foi amor à primeira vista, desde The Covers Records, em que a primeira faixa era a famosa música que cito no primeiro paragrafo. Os covers abrangiam estilos bem diferentes que, em seu modo de interpretá-los, faziam com que, de tão pessoais, tornassem-se suas composições. São de Lou Reed, Bob Dylan, ou conhecidos standards como Wild Is the Wind, de Dimitri Tiomkin e Ned Washington, que muitos devem conhecer cantada por outra “melancólica”, a maravilhosa Nina Simone. Muitos devem conhecer um clássico de 1959, Sea of Love, que deu título ao filme dirigido por Harold Becker e estrelado por Al Pacino e Ellen Barkin. Seu jeito personalíssimo de interpretar essas músicas, acompanhada por um piano simplório ou por um violão fazem de The Covers Records, um disco intimista, daquelas que nunca ouviríamos no meio de muita gente.
Cat Power não é um “blockbuster” como, digamos, Beyoncé, porque é para gostos mais específicos e requintados. Não deixam mentir os cineastas Wong Kar-Wai, que utiliza-se de The Greatest na trilha de My Blueberry Nights – ela faz uma ponta como atriz –, o sueco Lukas Moodysson em Mammoth – que não foi lançado ainda, mas foi exibido na última Mostra de Cinema, de Leon Cakoff – ou Pedro Almodovar em Abraços Partidos, com Werewolf. É um mérito ser incluído por Almodovar e Kar-Wai, mestres em escolher músicas para seus filmes.
No próximo texto, comentarei seu último lançamento, de 2008, e se chama Jukebox, que é também de covers, na maioria.
Veja e ouça:
Satisfaction:
Sea of Love:
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