Aparentemente, lang não fuma |
A cantora kd lang não está no meu panteão de cantoras, certamente. No entanto é autora de versões definitivas de algumas músicas, principalmente daquelas que foram cantadas por outras: comparações são um bom parâmetro de avaliação. Na minha opinião, não existe melhor versão de Don’t Smoke in Bed, um clássico das “torch songs”, composta por Willard Robison. A dramaticidade com o que ela canta é do tamanho da dor que a letra passa. Na hora em que canta “don’t look for me / I’ll get a hand / Remember darling / Don’t smoke in bed”, arrepia. Cometo a imprudência de dizer que sua versão é melhor do que a de Nina Simone. A letra é um primor do abandono simbolizado pelo anel de casamento deixado e pela advertência: “não fume na cama” (reproduzo a letra no fim do texto). Outras conhecidas são cantadas por gente do calibre de Julie London, Peggy Lee, e das “modernas” Holly Cole, Patti Smith e Carly Simon, de quem falo mais adiante.
Simon, vestida para matar |
Outra versão que, se não é definitiva, está entre as melhores – e olhe que existem centenas ou até milhares de registros dela –, é a de So in Love, contida no dvd e cd Red, Hot + Blue, gravado em prol das pesquisas para a cura da Aids. Com algum esforço, ainda é possível encontrar o dvd, que tem vários clássicos da música americana dirigidos por gente como Wim Wenders, Percy Adlon, Jim Jarmusch e Neil Jordan e interpretados por David Byrne, Aztec Camera, Sinead O’Connor, Debbie Harry, Tom Waits, U2 e Annie Lennox. Não é pouco. Outro cd de lang, Hymns of the 49th Parallel, contém apenas canções de seus conterrâneos canadenses Neil Young, Leonard Cohen, Jane Siberry e Joni Mitchell. A Case of You, de Mitchell, Helpless, de Young e Hallelujah, de Cohen, valem uma atenciosa audição.
Quase tão bom quanto o registro de kd lang de Don’t Smoke… é o de Carly Simon. Nessa onda que se torna maçante, que é a de se gravar álbuns com clássicos americanos – Rod Stewart parece ter esquecido que é um cantor pop e, pensando na grana, gravou vários cds após o sucesso de sua primeira investida no gênero –, uma das primeiras cantoras do universo pop a embarcar nessa ideia foi ela. Torch, gravado em 1981 pela Warner Bros Records, possui preciosidades como I’ll Be Around (Alec Wilder), de 1942, o clássico ellingtoniano, I Got It Bad and That Ain’t Good, de 1941, I Get Along without You Very Well (Hoagy Carmichael), de 1939, Spring Is Here (Rodgers & Hart), de 1938, e Body and Soul (Heyman, Sour, Eyton e Green), de 1930, além de músicas da década de 1950 como Pretty Strange (Jon Hendricks e Randy Weston) e Not a Day Goes By (Stephen Sondheim), da década de 1980. Numa roupagem que pode assustar os mais empedernidos fãs de jazz, com arranjos de Mike Manieri, que toca marimba em algumas faixas e Warren Bernhardt no piano elétrico e sintetizadores, mesmo assim, agrada aos ouvidos de bom gosto. Tudo bem, tem o sax alto chatinho de David Sanborn, mas, em contrapartida, tem o do brilhante Phil Woods. Torch, como como nos induz o título, é um disco de dor de cotovelo e de corno, como as músicas rodrigueanas – refiro-me a Lupicínio e não ao grande dramaturgo Nelson Rodrigues. Bem nesse espírito, a composição da própria, From the Heart, é uma peça que merece estar no repertório desse gênero. Amigão, se você não se emocionar com essa música, corra para o seu psiquiatra, pois você está arriscado a estar sofrendo de palidez afetiva.
Além de Torch, não sei se por motivos comerciais ou emocionais, gravou mais um álbum com conceito semelhante: Film Noir, em 1997, pela Arista. Pelo título já dá para desconfiar. O clima do disco remete à fatal Gilda – “nunca houve uma mulher como Gilda” – a Lauren Bacall, a Humphrey Bogart e seu indefectível – já que o título se refere a ele – cigarro, à cara “feia” de Robert Mitchum surgindo das trevas e aos heróis amargurados e atormentados do cinema “noir”, estilo que dominou os anos pós-Segunda Guerra. No CD estão presentes a música tema do filme Laura, protagonizado pela inesquecível Gene Tierney e dirigido por Otto Preminger, o clássico alemão desse período, Lili Marlene e I’m a Fool to Want You, música símbolo de “dores de amores” e que se encaixa bem à fase em que Frank Sinatra viveu a perda de Ava Gardner; esta música está em Where Are You?, que com Only the Lonely, são daqueles discos para ouvir e sentar na sarjeta ou recostar-se no poste e chorar convulsivamente.
Para quem se interessar, transcrevo a letra de Don’t Smoke in Bed:
I left a note on his dresser
And my old wedding ring
With these few goodbye words
How can I sing
Goodbye old sleepy head
I’m packing you in like I said
Take care of everything
I’m leaving my wedding ring
Don’t look for me
I’ll get a hand
Remember darling
Don’t smoke in bed
Don’t look for me
I’ll get a hand
Remember darling
Don’t smoke in bed
kd lang canta Don’t Smoke in Bed
Carly Simon canta Don’t Smoke in Bed
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