sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Don’t Smoke in Bed

Aparentemente, lang não fuma
A cruzada de José Serra contra fumar em locais fechados, transformada em lei, junto com a possibilidade de multa e cadeia por dirigir alcoolizado resultou em grandes mudanças em São Paulo. Isso muda a paisagem, com pessoas andando nas ruas com cigarros na mão, braços para fora dos carros com aqueles tocos brancos fumegantes, pequenas aglomerações na frente de prédios comerciais. Sem tomar partido e saindo do real e entrando um pouco na fantasia, que belas imagens o cigarro nos deu no cinema! Cenas inesquecíveis de Humphrey Bogart com o cigarro pendurado no canto da boca, belas mulheres segurando-o sensualmente suas piteiras e aqueles desenhos sinuosos que as cinzas construiam de encontro com a luz e fundos escuros. Era um “chiaroscuro” muito diferente das que vemos nas pinturas renascentistas de um Caravaggio ou de um Rembrandt. A fumaça é o elemento de contraste, por excelência, dos filmes “noir” dos anos 1950.

A cantora kd lang não está no meu panteão de cantoras, certamente. No entanto é autora de versões definitivas de algumas músicas, principalmente daquelas que foram cantadas por outras: comparações são um bom parâmetro de avaliação. Na minha opinião, não existe melhor versão de Don’t Smoke in Bed, um clássico das “torch songs”, composta por Willard Robison. A dramaticidade com o que ela canta é do tamanho da dor que a letra passa. Na hora em que canta “don’t look for me / I’ll get a hand / Remember darling / Don’t smoke in bed”, arrepia. Cometo a imprudência de dizer que sua versão é melhor do que a de Nina Simone. A letra é um primor do abandono simbolizado pelo anel de casamento deixado e pela advertência: “não fume na cama” (reproduzo a letra no fim do texto). Outras conhecidas são cantadas por gente do calibre de Julie London, Peggy Lee, e das “modernas” Holly Cole, Patti Smith e Carly Simon, de quem falo mais adiante.

Simon, vestida para matar
Todas as canções de Drag referem-se ao cigarro. É uma espécie de “disco-conceito”, como é também o pioneiro álbum Only the Lonely, de Frank Sinatra. A capa é uma grande sacada: é kd, meio andrógina, vestida com um um costume masculino em pose de quem segura um cigarro, mas sem ele.

Outra versão que, se não é definitiva, está entre as melhores – e olhe que existem centenas ou até milhares de registros dela –, é a de So in Love, contida no dvd e cd Red, Hot + Blue, gravado em prol das pesquisas para a cura da Aids. Com algum esforço, ainda é possível encontrar o dvd, que tem vários clássicos da música americana dirigidos por gente como Wim Wenders, Percy Adlon, Jim Jarmusch e Neil Jordan e interpretados por David Byrne, Aztec Camera, Sinead O’Connor, Debbie Harry, Tom Waits, U2 e Annie Lennox. Não é pouco. Outro cd de lang, Hymns of the 49th Parallel, contém apenas canções de seus conterrâneos canadenses Neil Young, Leonard Cohen, Jane Siberry e Joni Mitchell. A Case of You, de Mitchell, Helpless, de Young e Hallelujah, de Cohen, valem uma atenciosa audição.

Quase tão bom quanto o registro de kd lang de Don’t Smoke… é o de Carly Simon. Nessa onda que se torna maçante, que é a de se gravar álbuns com clássicos americanos – Rod Stewart parece ter esquecido que é um cantor pop e, pensando na grana, gravou vários cds após o sucesso de sua primeira investida no gênero –, uma das primeiras cantoras do universo pop a embarcar nessa ideia foi ela. Torch, gravado em 1981 pela Warner Bros Records, possui preciosidades como I’ll Be Around (Alec Wilder), de 1942, o clássico ellingtoniano, I Got It Bad and That Ain’t Good, de 1941, I Get Along without You Very Well (Hoagy Carmichael), de 1939, Spring Is Here (Rodgers & Hart), de 1938, e Body and Soul (Heyman, Sour, Eyton e Green), de 1930, além de músicas da década de 1950 como Pretty Strange (Jon Hendricks e Randy Weston) e Not a Day Goes By (Stephen Sondheim), da década de 1980. Numa roupagem que pode assustar os mais empedernidos fãs de jazz, com arranjos de Mike Manieri, que toca marimba em algumas faixas e Warren Bernhardt no piano elétrico e sintetizadores, mesmo assim, agrada aos ouvidos de bom gosto. Tudo bem, tem o sax alto chatinho de David Sanborn, mas, em contrapartida, tem o do brilhante Phil Woods. Torch, como como nos induz o título, é um disco de dor de cotovelo e de corno, como as músicas rodrigueanas – refiro-me a Lupicínio e não ao grande dramaturgo Nelson Rodrigues. Bem nesse espírito, a composição da própria, From the Heart, é uma peça que merece estar no repertório desse gênero. Amigão, se você não se emocionar com essa música, corra para o seu psiquiatra, pois você está arriscado a estar sofrendo de palidez afetiva.

Além de Torch, não sei se por motivos comerciais ou emocionais, gravou mais um álbum com conceito semelhante: Film Noir, em 1997, pela Arista. Pelo título já dá para desconfiar. O clima do disco remete à fatal Gilda – “nunca houve uma mulher como Gilda” – a Lauren Bacall, a Humphrey Bogart e seu indefectível – já que o título se refere a ele – cigarro, à cara “feia” de Robert Mitchum surgindo das trevas e aos heróis amargurados e atormentados do cinema “noir”, estilo que dominou os anos pós-Segunda Guerra. No CD estão presentes a música tema do filme Laura, protagonizado pela inesquecível Gene Tierney e dirigido por Otto Preminger, o clássico alemão desse período, Lili Marlene e I’m a Fool to Want You, música símbolo de “dores de amores” e que se encaixa bem à fase em que Frank Sinatra viveu a perda de Ava Gardner; esta música está em Where Are You?, que com Only the Lonely, são daqueles discos para ouvir e sentar na sarjeta ou recostar-se no poste e chorar convulsivamente.

Para quem se interessar, transcrevo a letra de Don’t Smoke in Bed:

I left a note on his dresser
And my old wedding ring
With these few goodbye words
How can I sing
Goodbye old sleepy head
I’m packing you in like I said


Take care of everything
I’m leaving my wedding ring
Don’t look for me
I’ll get a hand
Remember darling
Don’t smoke in bed


Don’t look for me
I’ll get a hand
Remember darling
Don’t smoke in bed


kd lang canta Don’t Smoke in Bed 




Carly Simon canta Don’t Smoke in Bed

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