sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O belo piano de Gogô

Uma ex-namorada, para ralhar de mim ou me diminuir, adorava dizer que o meu gosto era o “gosto dos outros”. Em vez de me importar, resolvi encarar sua “ironia” sob outra ótica: “Sim, me importo com o “gosto dos outros”.” Sou curioso. Se alguém me disser que Waldick Soriano é bom, se não o conhecesse, certamente iria atrás de algum disco dele para conferir. A curiosidade é uma das boas qualidades que a gente tem: é assim que se conhece o novo. Uma das boas coisas desse mundo é a possibilidade de se trocar experiências, de entrar em sinergia com os mais próximos e, assim, é difícil conceber que alguém que está ao seu lado fique competindo com você. Inveja e complexo de inferioridade são uma “merda” – se o Lula pode proferir essa palavra, por que não nós, simples humanos à mercê da “merda” política?

Aprendi muito com o meu amigo Zeca Leal e o admiro. Sempre lembro de suas bem humoradas tiradas, de sua admiração pelo jazz West Coast, por Dave Brubeck e de sua paixão por Frank Sinatra. Seu humor era impiedoso até consigo. Gostava de dizer que foi o maior comprador de discos de Sinatra: quando ainda bebia, cada vez que punha um disco na vitrola, riscava-o e ia até a loja e comprava outro igual. Vitrola era o que, hoje, é o tocador de cd. Consistia de uma base giratória onde se colocava os compactos simples ou duplos – quando tinha uma música em cada lado, por isso, lado A e lado B, era simples; nos duplos, eram duas músicas em cada lado – e os lps, abreviação de “long playing”. O som “estava” nos microssulcos dos bolachões pretos de doze polegadas. Era produzido pelas vibrações que eram captadas por uma agulha de diamante e, eletricamente, iam para um amplificador de som e, finalmente, para as caixas acústicas. Uma boa cápsula – que era a peça que em que se encaixava a agulha – custava mais que um bom aparelho de cd. A conservação dos discos era complicada. Além de sofrer desgaste natural pela fricção da agulha com o vinil, qualquer risco resultava em indesejáveis “pipocares” no som. Os chiados ficavam por conta da poeira que ia entranhando nos sulcos devido à eletrostática resultante do contato do diamante com a superfície do disco. Os saudosos dos lps defendem que o som analógico é melhor do que os produzidos por tocadores de cd ou mp3, em que os sons são “bits”. Há uma certa verdade nisso. Há uma sensação de melhor ambiência no som analógico – é mais redondo – enquanto o dos cds, depois de muitas horas de audição, causam uma fadiga sonora. Com as modas “retrô” que, vira e mexe, resgatam alguma coisa, voltaram a vender lps de vinil, só que a preço de ouro.

Como Zeca era da época dos lps, costumava vir a minha casa para gravar seus discos preferidos para poder ouvi-los sem os velhos chiados. Durante as sessões de gravação rolava muita conversa e muita informação nova, pelo menos para mim. A curiosidade me ensinou muito. Zeca era amigo de Dick Farney – fazia até sua declaração de imposto de renda –, Dick era amigo e parceiro de Gogô, apelido e nome artístico de Hilton Jorge Valente. Zeca foi aluno de piano de Gogô. Zeca sempre falava dele.

Muitos anos depois – e bota ano nisso –, na Folha de S. Paulo, na coluna em que anunciam alguns lançamentos de música, um título chamou-me a atenção: O Piano de Gogô. Logo vi que devia ser o tal amigo do Zeca. Saí à procura do disco para comprá-lo. É a velha história dos independentes. Onde achar? Por uma coincidência daquelas, Bruna Prado – boa cantora, guardem o seu nome –, filha de uma amiga, fora sua aluna na Unicamp. Foi assim que o disco chegou na minha mão. Em dois dias ouvi umas cinco vezes. Na primeira vez, não me impressionou muito. A cada audição gosto mais. Não é daqueles cds de fazer “cair o queixo”. Devemos sorvê-lo vagarosamente, prestando atenção em detalhes que se sobressaem a cada ouvida. Essa é a sua grande qualidade: a de levá-lo a descobrir cada detalhe que não foi notado antes.

A capa do CD
Os sidemen e as participações especiais de Alaíde Costa, o promissor violonista, seu ex-aluno na Unicamp, Alessandro Penezzi, e o consagrado Guinga, contribuem para a qualidade instrumental do álbum. É um belo time: Nailor Proveta, Leandro Braga, Zeca Assumpção no baixo e mais um tanto de gente boa. Proveta é mestre onde coloca a mão: toca clarinete, sax-alto e fez alguns arranjos. Que belo solo o de Gogô em Doce de Coco, de Jacob do Bandolim, e que estupenda é sua interpretação na última faixa do cd, Chegaste, composição sua. O duo de piano com Gogô e seu ex-aluno, Leandro Braga, é pura poesia, tanto quanto é o arranjo de Senhora das Campanelas, composição do mestre Guinga, com a riqueza de seu piano, o solo de clarineta baixo de Otinilo Pacheco e do oboé de Lazarov MB. Gogô é o arquiteto das harmonias e belas linhas melódicas.

Zeca, obrigado. Por causa de você conheci o Gogô. Valeu. E obrigado para quem fez com que esse maravilhoso cd me chegasse às mãos.

O CD pode ser encontrado nos seguintes sites:
Livraria Cultura: http://bit.ly/cAXyjk
CD Point: http://bit.ly/aJ7gIy

Algumas amostras do talento de Gogô:

Doce de Coco



Chegaste

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