sábado, 11 de setembro de 2010

Caixa alta, só Deus

O nome de kd lang – atualmente usam pontos, k.d. – é grafado sempre em caixa baixa (é a forma de que designers gráficos e editores se referem às minúsculas). Ela não é a primeira do universo musical a optar por essa forma. Seu predecessor mais famoso é eden ahbez, pseudônimo de George Alexander Aberle, autor de Nature Boy.

eden ahbez proibiu em contrato de
que seu nome fosse grafado em maíúsculas
eden foi o que se poderia chamar de proto-hippie, ou seja, era hippie antes que esse movimento surgisse. Gostava de vestir-se com batas e usava barba e cabelos longos que o fazia parecer com Jesus Cristo. Em 1947 conseguiu se aproximar do empresário de Nat “King” Cole querendo mostrar uma música para o cantor/pianista. Chamava-se Nature Boy. Bom, o resto é história: “King” Cole gravou e o single ficou por oito semanas em primeiro lugar nas paradas. Na esteira, Sarah Vaughan e Frank Sinatra a gravariam também. Ele não teve nenhum outro sucesso apesar de outras composições terem sido gravadas por Doris Day, pelo grupo vocal Ink Spots, Eartha Kitt e até pela roqueira Grace Slick. Hoje é conhecido por ser autor de uma música só. Dentre todas as excentricidades a mais conhecida foi a da imposição de que seu nome teria de ser grafado apenas em letras minúsculas; maiúsculas, só Deus. Durante muito tempo isso foi respeitado. Com o passar dos anos esqueceram dessa “obrigatoriedade” e seu nome hoje é grafado com maiúsculas e minúsculas.

Além de “King” Cole
A gravação de “King” Cole é “unforgettable”. Revolucionário pianista e inventor do formato trio piano, guitarra e bateria, sem o contrabaixo, é mais conhecido pelo público como cantor. Com uma voz aveludada emplacou sucessos como Mona Lisa, Unforgettable, Blue Gardenia e When I Fall in Love, sempre acompanhado de orquestras, com arranjos de Frank DeVol, Pete Rugolo, Billy May e Nelson Riddle.

Outras gravações merecem ser conhecidas. Das vozes masculinas, dentre as que conheço, a minha preferida atualmente – a gente vai mudando de gosto, não? – é a de Kurt Elling, considerado o melhor cantor da atualidade. Outro cantor de voz grave e pouco conhecido, pelo menos no Brasil, tem uma versão impecável; é a de Jefferey Smith, acompanhado pelo piano estupendo de Shirley Horn. Dono de uma voz de contornos dramáticos, quase operístico, dá um tom melancólico e ao mesmo tempo grandioso. Belíssimo. Outro cantor de voz abaritonada, Johnny Hartman (lembram-se do filme As pontes de Madison, de Clint Eastwood; ele está lá), cujo álbum John Coltrane and Johnny Hartman, de 1963, é um dos clássicos do repertório jazzístico, tem duas gravações muito parecidas meio suingadas… chatinhas. Melhor ouvi-lo cantar Wave, do nosso querido Tom, acompanhado pela flauta de Frank Wess ou, preciosidade das preciosidades, Charade, tema de Henri Mancini para o filme de mesmo nome, protagonizado por Audrey Hepburn e Cary Grant. Das mais recentes, o jovem cantor da gravadora Concord, Peter Cincotti manda bem numa versão maravilhosa em que toca no piano o tema de The Fool on the Hill, de Lennon & McCartney e sobre ele, canta Nature Boy. Depois de dois bons cds, talvez por motivos comerciais, Cincotti parece ter perdido o rumo e bandeado para um repertório mais “popular”. Uma pena. Está ameaçado de fazer o mesmo caminho de Harry Connick, Jr.

Dentre as mulheres, uma muito boa é a de Karrin Allyson. Excelente cantora, com repertório eclético em que destacam-se gravações de músicas brasileiras e francesas cantadas em suas línguas de origem – com muita classe –, é intérprete de primeira. É bem melhor que a de Ella Fitzgerald e Joe Pass: gênios também dão suas escorregadas de vez em quando.

Sem patriotada, o Nature Boy, de Caetano Veloso está entre as melhores de todos os tempos. Ele é estupendo cantando músicas em inglês. Vide seu Lady Madonna, Help e For No One, todas de Lennon & McCartney. A curiosidade é a versão de Vinícuis de Moraes, acompanhado do violão preciso de Toquinho. Reproduzo a fala de Vinícius antes de cantá-la:
V: Eu quero fazer uma canção que sou vidrado nela. Eu estava em Los Angeles nessa ocasião, quando eu vi ela nascer, sabe?
T: Qual é?
V: É uma canção que se chama Nature Boy. Ah, você já…
T: Ah, claro. A gente cantou em Mar del Plata.

Como o texto está ficando longo, no próximo post comento sobre algumas versões instrumentais.

Para quem quiser conhecer a figura de eden ahbez: http://bit.ly/az3K6J

Para ver Cole interpretando Nature Boy (trio):



Relação dos álbuns:
Nat “King” Cole – Nat “King” Cole (Capitol 1992 – 4 CDs)
Sarah Vaughan – Nature Boy (Golden Stars 2002 – 2 CDs)
Fran Sinatra – The Best of The Columbia Years 1943 – 1952 (Sony 1995 – 4 cds)
Karrin Allyson – I Didn’t Know About You (Concord 1993)
Kurt Elling – Festival International de Jazz Montreal (DVD)
Jeffery Smith – Ramona (Gitanes/Verve 1995)
Johnny Hartman – The Tokyo Albums ( Gambit 1972) / For Trane (Blue Note 1973)
Ella Fitzgerald & Joe Pass – Fitzgerald & Pass… Again (Pablo 1976)
Peter Cincotti – Peter Cincotti (Concord 2003)

Sites:
Nat “King” Cole: http://bit.ly/FHwtp (orquestra)
Peter Cincotti cantando Sway (para conhecer, pois não existe o Nature Boy em vídeo): http://bit.ly/ZXnQz
Kurt Elling: http://bit.ly/xrLwy (muito bom)
John Hassell (trumpetista meio avantgarde; vrsão bem interessante): http://bit.ly/9j6xCr

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