sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O lugar comum de João Donato

Quando converso com meu amigo Alberico Cilento, uma das pessoas que mais conhece de música em São Paulo, vira e mexe o João Donato surge no meio dos assuntos. Uma vez estavam lá ouvindo música, conversando e Donato perguntou se podia fazer um café. E lá foi ele para a cozinha. Voltou com um bule numa das mãos e a xícara na outra. Ao notar que tinha um Steinway de quarto de cauda na sala, aproximou-se e viu que sobre ele estavam algumas partituras de música italiana. Uma delas era a de Parlami d’amore. Sentou-se, começou a tocar Parlami… e ficou improvisando sobre o tema. Alberico comentou que não revelava esse gosto por música italiana aos amigos, basicamente, amantes do jazz. Disse que, desde criança, gostava de um pianista daqueles que a gente chama de “piano cascata”, “flamboyant” etc, que tocam floreado, o Carmen Cavallaro, americano de ascendência italiana. Donato disse que gostava dele também: “quem toca como ele é gênio.” Lembraram do filme Melodia Imortal (The Eddy Duchin Story, de 1956, direção de George Sidney e protagonizado por Tyrone Power e Kim Novak), em que o Cavallaro “dublara” Power no piano (foi lançado em DVD no Brasil).

Na semana passada, João apareceu novamente numa conversa por telefone com Alberico. Disse que, em certa ocasião, Donato dissera que suas músicas preferidas eram Invitation, de Paul Webster e Bronislaw Kaper, e Speak Low, de Kurt Weill. Resultado: fui ver se tinha algum registro delas. E nessa, fiquei a ouvir João Donato o dia inteiro.

Retrato do artista quando jovem
Em Lugar Comum, gravado em 1975, tem um texto do próprio, muito bom, explicando que era seu segundo álbum com letras. Uma passagem marcante é quando fala justamente da música título: “A origem da primeira música, Lugar Comum, que dá nome ao disco, é um assobio de um homem descendo a canoa no Rio Acre, em Rio Branco. O rio passa bem no meio da cidade. Ao cair da tarde, eu estava lá, pequenininho ainda, com uns sete ou oito anos, não me lembro bem. Passou uma canoa com o cara assobiando, e eu fiquei melancólico pela primeira vez na minha vida, um sentimento até então desconhecido para mim. Fiquei pensando, ‘por que eu fiquei assim?’, mas eu sabia que esse sentimento vinha daquele assobio e eu guardei a melodia.” Bacana, não? Revelações ou iluminações transformam nossas vidas. Quem imaginou que aquele acreano se transformaria no grande músico que é inventando aquela batida suingada meio latina tão única.

Nos anos 1970 João estava em contato estreito com Gil e Caetano. Os dois colocaram letras em várias composições antes apenas instrumentais. João também acompanhou Gal nos shows de lançamento de Cantar. Aliás, é nesse disco que estão uma das melhores interpretações de A Rã, feita em parceria com Caetano Veloso, e o estupendo Até Quem Sabe, em parceria com o Lysias Enio. O piano de João Donato é para nocautear até o mais insensível dos trogloditas. Flor de Maracujá é outra que está neste disco e tem letra do mesmo Lysias, seu irmão. Aliás, Cantar é um dos melhores de Gal Costa: Canção Que Morre no Ar (Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli), com um arranjo maravilhoso de Perinho Albuquerque é daqueles da gente cair duro. Outra, Lágrimas Negras, de Jorge Mautner e Nelson Jacobina, é uma das mais belas canções brasileiras de todos os tempos.

Cito outros registros que merecem ser ouvidos. Bananeira, letra de Gilberto Gil recebe tratamento jazzístico “samba jazz” no arranjo brilhante de um dos nossos grandes saxofonistas, J.T. Meirelles, e lembra um pouco a Banda Black Rio, com os naipes de sopros, o piano elétrico Fender Rhodes e a guitarra a la Steely Dan. E é cantada por Ed Motta.

Caetano Veloso, no álbum Cores, Nomes, canta Surpresa, breve e poética interpretação na música feita em parceria com Donato. Os temas lentos de JD têm sempre um clima de acalanto. Tem mais uma parceria com Caetano: Naturalmente.

Fim de Sonho, com letra de João Carlos Pádua, tem a interpretação precisa de nossa melhor cantora da atualidade – atenção, opinião minha –, a joão gilbertiana, Rosa Passos. Mais uma com Rosa: A Paz (João Donato e Gilberto Gil). Tudo na voz dela fica maravilhoso. Mais uma: Depois do Natal cantada pela bela voz de Djavan, mas a melhor é a de Nana Caymmi, lançado pela EMI-Odeon em 1979.

E tem mais: João toca trombone e bem. Em Olho d’Água, de Milton Nascimento, que está no Clube da Esquina 2 é dele o solo.

Vídeos:
JD/Bananeira




JD + Ed Motta

Um comentário:

  1. Oi, Guen,
    Aqui estou em seu blog (já dei uma passada no "sobretudo, música") e prometo vir muitas e muitas vezes.
    De já peço licença para tirar do seu texto sobre o Donato algumas informações para um futuro post no jazz + bossa.
    Vou colocar um link pros seus blogs lá no meu, ok?
    Abraços fraternos!

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