quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O céu mais lindo do Brasil

O show de lançamento do disco Índia, de Gal Costa, em São Paulo, aconteceu no teatro da Faculdade Getúlio Vargas, em 1973. Ela estava no auge. Para uma cantora, o essencial é cantar bem, mas Gal era muito mais: bonita, corpo perfeito, sabia muito bem disso. Apresentara-se com pouquíssima roupa – afinal, qual era o nome do show? A melhor parte era a sessão acústica, em que se apresentava só com o violão. Sentada num banquinho, abria e fechava as pernas em movimentos lentos e sugestivos. Era para deixar seres de todos os sexos loucos, principalmente os que estavam nas primeiras filas.

Uma boa prévia da “temperatura” do espetáculo tinha sido a capa e o encarte do LP. A capa, foto de Antonio Guerreiro, era um plano fechado no seu ventre. Vestia uma peça vermelha do que seria a parte de baixo do biquini e uma espécie de um colar – ou cocar? – feito de palha que Gal segurava pouco abaixo da região do púbis. O melhor estava na parte interna: uma foto de Gal portando um arco e flecha com os seios descobertos. Aqueles peitos não causaram tanto escândalo como quando abria a blusa e os “descerrava” quando cantava Brasil no show que promovia O Sorriso do Gato de Alice. Foi objeto de falatório. Quem viu os peitos de Gal em 1973 deve saber que vinte anos são vinte anos e, que discussão besta essa a de se ficar falando que não devia tê-los mostrado! Ela quis mostrar e, pronto.


Um dos músicos que acompanhava Gal era Toninho Horta. Foi quem mais me chamou atenção. E não foi por sua competência como músico: um cara alto, magro, com uma calça vermelha, se não me engano, e com uma bota de gesso se destacaria em qualquer circunstância. Apesar de já conhecê-lo tocando em Clube da Esquina, era a primeira vez que o via no palco. Desde então, tornei-me fã de seu estilo econômico, melódico e quase acústico de tocar sua Gibson. Há, sem dúvida, uma “escola” de violão no Brasil. É uma tradição que passa por Baden Powell, Raphael Rabello e tantos outros. A guitarra, por sua vez, na música brasileira é um fenômeno mais recente e passa pelo pioneirismo dos Mutantes acompanhando Gilberto Gil em Domingo no Parque e da banda “roqueira” que acompanhou Caetano Veloso em Alegria, Alegria. O escândalo da introdução da guitarra na MPB tem alguma semelhança com o caso de Bob Dylan, que “subverteu” o folk ao se apresentar empunhando, pela primeira vez, uma guitarra elétrica em meados de 1960.

Sua qualidade como músico o levou a gravar discos nos Estados Unidos. De Minas para o mundo. O compositor de Beijo Partido e Viver de Amor é mais guitarrista que cantor. Tem, no entanto, personalidade soltando sua voz pequena. Mas é na guitarra e no violão que é genial. Nesses instrumentos privlegia a beleza dos sons. Ele é o instrumentista das sutilezas. Timidamente e com vagar os sons se “fazem ouvir”.

Como sou fã de trios, como referência de sua maestria, vou citar o álbum Once I Loved, gravado em 1992 para a Verve Records, com o baixista parceiro costumeiro no trio de Keith Jarrett, Gary Peacock, e o baterista Billy Higgins. Footprints, de Wayne Shorter, é uma amostra da elegância de sua guitarra e também do quanto Toninho deixa sua marca em uma composição do repertório jazzístico. Percebe-se seu “jeito” tão pessoal na bossa-nova de O Amor em Paz, de Jobim. Parece tão sua, que encontramos eco do clássico de sua autoria, Beijo Partido. E não é apenas na guitarra: no clássico My Funny Valentine arrasa no violão também.

Os comentários acima, na verdade, são apenas para, no final, dizer que uma das minhas composições preferidas de Toninho é Céu de Brasília, feita com Fernando Brant. E que versos mais lindos e exatos para a música senão Beleza bonita de ver nada existe como o azul/ Sem manchas do céu do Planalto Central/?E o horizonte imenso aberto sugerindo mil direções. Nem os políticos de Brasília conseguirão manchar este céu.

Ouça:


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