quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Ryuichi Sakamoto e as cerejeiras em flor

O sonho secreto de Trudi era conhecer o Monte Fuji
Os cinéfilos, provavelmente, devem lembrar-se do filme Homens, de 1985, de Doris Dörrie na direção. Depois de muito tempo longe do circuito nacional, chegou-nos Hanami - Cerejeiras em Flor. A estrutura de Hanami é linear, para infelicidade dos que acham a descontinuidade e a desconstrução o máximo. É uma bela história de amor de uma casal da “melhor idade” – já inventaram tantos eufemismos para a palavra “velho” nesses tempos politicamente corretos! Esta é a mais recente, que sucede a “terceira idade” – Trudi (Hannelore Elsner) e Rudi (Elmar Wepper). Depois da morte da mulher, Trudi descobre que ela nutria uma paixão, que nunca revelara, pela cultura japonesa. Esse processo de descoberta é o parte da revelação para o marido daquela que passou tantos anos ao seu lado vivendo uma “vidinha” numa pequena cidade alemã e parecia tão circunscrita a tancanhêz desse pequeno universo. Primeiro, é levado pela namorada de sua filha a assistir uma apresentação de Tadashi Endo, um dos mestres do butoh, na capital alemã. Depois, mexendo nas coisas da mulher, descobre que ela conhecia o teatro butoh e colecionava imagens do Monte Fuji.

Rudi vai ao Japão – ele, que nem visitar os filhos em Berlin queria – e visitar o Monte como parte de “viver a vida” não vivida de Trudi.

Chama a atenção não só o enredo, em que o butoh não aparece por mero acaso – essa arte surgida depois da Segunda Grande Guerra é definida como a “dança da escuridão” –, pois Dörrie trata da morte, mas também as belas músicas que ouvimos nesse filme. Uma delas é Asadoya Yunta, e a outra é Chinsagu no Hana, canção folclórica da região de Okinawa, que fazem parte de um álbum de Ryuichi Sakamoto, lançado em 1990.

Sakamoto é bem conhecido dos brasileiros. Se o nome não soar tão familiar, uma lembrança: trabalhou como ator em Furyo – Em Nome da Honra (Furyio), de Nagisa Oshima. Compôs a trilha sonora de O Último Imperador e teve a música Bibo No Aozora incluída no filme Babel, de Alejandro Iñárritu. Quem viu Furyo deve se lembrar da música-tema Merry Christmas, Mr. Lawrence, A versão com letra, que se chama Forbidden Colours, é belíssima, na voz de David Sylvian. Vale a pena conhecer.

O som de Sakamoto é uma mescla de influências da música tradicional japonesa com a de outras culturas, inclusive a brasileira: gravou dois álbuns – Casa e A Day in New York – com Jacques Morelenbaum e a cantora Paula Morelenbaum. Desse universo conhecido como “world music”, Sakamoto se destaca pela modernidade e de como explora a instrumentação eletrônica – às vezes, um tanto indigesta ao explorar e mimetizar demais influências do hiphop, do rap e do eletropop –, mas sempre com resultados instigantes e originais. Na busca “world”, tem como parceiros músicos de todos os continentes.

Um disco, Beauty, que está entre os melhores que gravou, serve de amostra da versatilidade e talento em saber misturar as mais diferentes linguagens étnicas. É uma ousadia misturar instrumentos orientais com os ocidentais, percussão africana, indiana e japonesa e vocais em sua língua de origem com o inglês e até com o português. As citadas acima, Asadoya Yunta, Ao no Aozora e Chinsagu no Hana fazem juz ao título Beauty. São belíssimas, emocionantes e inesquecíveis. A parte “brasileira” cabe ao americano nascido em Pernambuco, Arto Lindsay na composição ‘Rose’: canta em inglês e perfeito “português pernambucano”. Em outra música, dentre as “excentricidades” ouvimos uma mistura de violino do indiano Shankar, as dissonâncias da guitarra de Lindsay, sons do grupo africano Farafina e vocais de Youssou N’Dour e em outra, participação brasileira do percussionista Naná Vasconcelos. Haja “world” para Sakamoto! No campo das interpretações idiossincráticas, registre-se a versão de ‘We Love You’, de Mick Jagger e Keith Richards, electropop percussiva com a participação mais que especial de um dos fundadores do Soft Machine, Robert Wyatt, nos vocais e backing de ninguém nada menos que o ex- Beach Boys Brian Wilson. No repertório das “belezas” desse álbum, não podemos deixar de citar Diabaram, com vocais “dilacerantes” do senegalês Youssou N’Dour (é, realmente o mundo está cada dia mais “worldy”: alguém imaginaria um japonês e um africano juntos?). É um dos grandes momentos dessa verdadeira alquimia chamada música que poucos sabem fazer.

Não deixem de ver o filme de Doris Dörrie e não deixem de ouvir Ryuichi Sakamoto. Pode começar com Forbidden Colours, cantada pelo grande David Sylvian.