sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Eu e a brisa


O ano de 1967 foi pródigo em revelar ou consolidar nomes hoje consagrados na música brasileira. Sem dúvida, 1967 foi especial. Foi a época dos grandes festivais de música e o país vivia a desesperança de presenciar o recrudescimento do regime militar e os brasileiros mal sabiam administrar suas angústias e aspirações. Dos festivais patrocinados pelas emissoras de televisão, o da TV Record era o que mais atraía a atenção. No III Festival de Música Popular Brasileira, os premiados foram Edu Lobo e Capinan com ‘Ponteio’, Caetano Veloso com Alegria, Alegria, Gilberto Gil com Domingo no Parque, Chico Buarque com Roda Viva e teve como finalistas Dori Caymmi e Nelson Motta com O Cantador e Sydney Miller com Maria, Carnaval e Cinzas. No mesmo ano, o II Festival Internacional da Canção Popular, no Rio, da TV Globo, revelaria Milton Nascimento.


Johnny nasceu Alfredo José da Silva
Neste festival da Record, não se classificou uma das mais belas canções de todos os tempos: Eu e a Brisa, de Johnny Alf. Tornou-se um hit, mas, de algum modo, reforçava a sina de seu autor. Alf, cuja carreira começou num longínquo 1952, e considerado um dos precursores da bossa nova, mais uma vez, ficou em segundo plano. Quando alguém comenta sobre aqueles que foram injustiçados, sempre lembram-se dele. E, pensando bem, é um enigma. Ruy Castro em sua coluna da página 2 da Folha de S. Paulo comentou que alguns falam em racismo. E diz que isso é pouco razoável, pois Jorge Ben, Paulo Moura, Dolores Duran, Baden Powell e Gilberto Gil “não eram arianos”. Uma possibilidade é a de que tenha ido um pouco na contramão da história. Carioca da Vila Isabel, em vez de ficar em sua cidade natal, a terra da bossa nova, mudou-se para São Paulo.

Johnny nasceu Alfredo José da Silva. No Instituto Brasil-Estados Unidos (Ibeu), onde estudava inglês, era chamado de Alf. O Johnny veio depois, por sugestão de uma amiga americana. Pianista de formação erudita – apesar de der filho de uma empregada doméstica, aprendeu a tocá-lo com Geni Borges, que era amiga da família para a qual sua mãe trabalhava –, descobriu o jazz mais tarde e teve Nat King Cole e Sarah Vaughan como ídolos. No Sinatra-Farney Fan Club conheceu Paulo Moura, Nora Ney, Luiz Bonfá e Fafá Lemos – um dos poucos violinistas de jazz no Brasil –, que o apresentou ao pessoal da boate Montecarlo, de Carlos Machado. Não deu certo por causa de sua timidez. O verdadeiro empurrão viria de Dick Farney e passou a tocar na casa do radialista César de Alencar. Pouco depois, na boate do Hotel Plaza, em Copacabana, teria como espectadores habituais João Gilberto, Tom Jobim, Nara Leão, Carlos Lyra, João Donato, Luiz Eça e Dolores Duran. Em 1953 comporia Rapaz de Bem. Pois então, Alf era bossa antes do surgimento da bossa nova. Johnny tinha uma voz suave e incorporara modulações vocais tipicamente jazzísticas e suas harmonias no piano traziam um frescor que iria efetivamente transformar a música no Brasil.

Mudou-se para São Paulo e nos últimos três anos morou em Santo André. Nos anos 1970 morou em três lugares do bairro da Mooca, na zona leste da capital. Andava incógnito pelas ruas do bairro. Ia sempre à quitanda de dona Maria de Fátima, passava pela banca Falcão, que ficava na rua Fernando Falcão, perto da av. Paes de Barros, pegava alguns filmes em VHS na Shock Vídeo e frequentava a Casa de Mãe Augusta. Johnny era do candomblé. Quase ninguém sabia que aquele morador da Mooca era um dos grandes nomes da música brasileira. Alf não reclamava por falta de reconhecimento. Pelo contrário, achava-se reconhecido. Não faltava lugar onde pudesse tocar, era admirado pelos amigos, e isso bastava. É correto dizer que ele não teve a consagração que merecia em vida, mas a impressão é a de que isso não era motivo de amargura.

A brisa, propriamente dita
Segundo Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, dois dos maiores especialistas da música brasileira, Eu e a Brisa fora composta para ser cantada no casamento de um amigo, mas o padre proibiu que fosse cantada na cerimônia. Pelo jeito, o júri do Festival também não. Mas tornou-se um dos grandes sucessos do autor da igualmente belíssima ‘Ilusão à Toa’. Márcia a defendeu, com arranjo de Briamonte. Além do próprio Alf, muitos a gravaram: Maysa, João Gilberto, Leny Andrade, Caetano Veloso, Gilberto Gil e até Baby Consuelo. É difícil estragar uma música tão bela.

Nas horas de descanso, sento numa cadeira de praia, daquelas bem ordinárias, de náilon, no quintal, e, enquanto fumo um charuto, leio, ouço música, tenho a companhia da minha cachorra waimaraner Brisa que fica do meu lado. Eu e ela: eu e a Brisa.

Temos vários vídeos disponíveis na internet com vários intérpretes. Basta digitar seu nome. Existe em DVD o registro em Ensaio, programa dirigido por Fernando Faro. Paulinho da Viola conversa longamente e Johnny revela suas paixões e influências do mundo do jazz.


Leny Andrade canta Ilusão à toa.


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