quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Antes do Moby

É impressionante ver o tanto de pessoas que estão no limiar da sociopatia no Brasil. Furam filas sem o mínimo constrangimento, dão “carteiradas” para que possam entrar de graça e acham normal, ou traem amigos por circunstâncias sem nenhum pudor ou remorso. Uma conhecida, por exemplo, estacionou numa vaga de idosos e “ordenou” que seus amigos a esperassem no carro enquanto faria um pagamento no banco. A censura ficou no ar e ninguém ousou repreendê-la, por “educação”. Num semanário de circulação nacional, tempos atrás, a matéria de capa era sobre “ser esperto”. Lastreado por pesquisas de comportamento, afirmavam que no mundo de hoje, no mercado de trabalho, ser honesto ou ético passou a ser defeito. Pessoas desse tipo passaram a ser vistas como “otários” e pouco competitivas. Sem querer ser um paladino da honestidade ou aquele que não mente – segundo uma amiga, existem mentiras e mentiras, e classifica aquela em que você culpa o atraso no trânsito como “mentira branca” –, de hoje em dia, nos surpreendemos com os que creem no outro e não duvidam por antecipação.

No fim do mês de fevereiro, adquiri pela Internet um par de ingressos da apresentação do americano Moby, que aconteceria em 23 de abril. Três dias antes do show notei que o envelope com os ingressos não estava no lugar em que deveria estar ou, pelo menos, onde imaginava devesse estar. Nessa noite fui dormir às três da manhã, no dia seguinte às quatro, e não os encontrei. Enchi um saco de lixo de 20 quilos com papeis inúteis, jornais e revistas antigas. Na quinta-feira liguei para a Ticketmaster, responsável pela venda, e, depois de algumas dezenas de tentativas falei com uma atendente que disse serem os ingressos como dinheiro: valia para quem estava de posse deles. Mesmo argumentando que tinha todos os comprovantes, inclusive com o registro dos lugares comprados e que não existia a mínima possibilidade de que alguém estivesse com eles, respondeu que era impossível a emissão de uma segunda via. No dia anterior havia mandado uma mensagem ao SAC da Ticketmaster. Responderam um dia depois com o mesmo discurso que ouvira ao telefone. Na sexta, dia do show, comentando sobre a perda, um amigo sugeriu-me que ligasse ao Procon. Uma mulher muito atenciosa orientou-me a ir ao Juizado de Pequenas Causas e pedir uma liminar. Foi o que fiz. Nada feito. Nem adiantava: a juíza já tinha ido embora… eram três da tarde. A chuva que estava armando desabou quando saía do juizado.

Decidimos ir assim mesmo, com todos os comprovantes possíveis em mãos. No caso de insucesso, compraríamos novamente, ansiosos que estávamos de ver o show de Moby. Chegamos bem cedo – 20h30 – para o show que iniciaria às 22h. Logo que chegamos, procurei informação com um “homem de preto”, que foi muito atencioso e orientou-nos de falar com uma das bilheteiras. Explicamos sobre o acontecido, já com todos os argumentos “em mãos”. Ela pegou os papéis, desapareceu por alguns minutos e, voltando, disse que esperássemos até dez minutos antes do show e, certificados de que os lugares ficassem vazios, autorizariam nossa entrada.

Para fazer hora, fomos tomar alguma coisa num dos botecos que ficavam na rua de trás. Bebemos uma caipirinha de quinta e voltamos ao Credicard Hall. Esperamos um pouco e uma mulher de preto com um walkie-talkie à mão aproximou-se de nós e nos colocou dentro do teatro. Tratamento vip: subiu conosco no elevador e nos deixou com outra “moça de preto”, que nos levou até os lugares. O alívio e alegria de estar lá foram comemorados com uma dose de scotch e ela, uma de Absolut. Perfeito. Nem irritados com a hora e meia de atraso para o início do espetáculo.

Não é lá muito agradável quando alguém desconfia daquele que afirma estar dizendo a verdade. Pelo número de pessoas que seguem os princípios da “lei de Gerson”, em que o “importante é levar vantagem em tudo”, é plausível que todos duvidem de todos. Nesse universo do “um engana o outro”, quando, prontamente, o que é dito não é posto no poço das dúvidas, a surpresa é grande. E foi o que aconteceu na noite de sexta-feira no Credicard Hall, o que foi um bom prenúncio para o ótimo show que ocorreria logo mais. Isso nos faz crer que nem todo mundo estaciona em vagas de deficientes físicos – sem ser – e vai embora sem se preocupar.

Uma pílula de Moby. Ele faz um cover acústico (a que gravou em disco é “pauleira”) de uma de suas bandas favoritas, o Joy Division: New Dawn Fades

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