quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Carlos Conde, o homem do jazz

O Conde e o guitarrista Russell Malone
Num tempo em que as lojas de discos como a Tower, a HMV e a Virgin já fecharam as portas ou estão para, quando gente do mundo todo “baixa” músicas pela internet, perdemos um pouco daquele sentimento de comunidade que elas propiciavam, sendo lugares em que encontrávamos os amigos, conhecíamos novas pessoas aglutinadas por gostos em comum.

Em São Paulo, há um ano mais ou menos, uma pequena loja na rua Clodomiro Amazonas, a Nuvem Nove, fechou. O dono, Zé Carlos conhecia tudo de rock e um público se formou: gente descolada, experts de vários gêneros – jazz, rock, rock progressivo principalmente –, críticos profissionais, músicos, uma grande tribo se juntava aos sábados e abarrotava a casa de pessoas, música e conversas paralelas. No mesmo lugar, hoje funciona uma loja de móveis.

Os paulistas e habitantes do resto do país devem invejar que o Rio tenha sabido preservar um lugar em que as pessoas podem ouvir boa música, tomar um café, trocar ideias sobre as últimas novidades. O Rio, talvez por ser uma cidade litorânea, favorece o encontro de pessoas nas praias, nos bares à beira-mar… e na Modern Sound, uma loja que existe há décadas em Copacabana. De repente você pode ouvir Daniel Senise, Pascoal Meirelles e outros tocando lá.

Há muitos anos, digo de coisa de quinze, vinte anos, a Gramophone, loja do Rio, abriu uma filial em São Paulo na av. Juscelino Kubitshek. Era tempo dos LPs ainda. Depois começou a trazer CDs importados, na maioria focadas em música clássica e jazz. Nos sábados de manhã virava ponto de encontro. Foi lá que conheci Carlos Conde. Como qualquer um que gostava de jazz, o conhecia, pelo menos de nome. Seu programa de rádio na Cultura era uma referência para se conhecer os útimos lançamentos. Falava alto e tinha um vozeirão grosso, reconhecível em qualquer lugar, mesmo fora do país.

Certa vez, estava em Toronto, na CN Tower, com sua mulher Dôra e a filha Denise. Um grupo de pessoas aproximou-se e um deles perguntou: “Você é o Carlos Conde do programa da Radio Cultura?” Haviam-no reconhecido pela voz. Aconteceu algo parecido comigo certa vez quando aproveitávamos uma queima de estoque de CDs das gravadoras Black Saint e da Steeple Chase na Livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos, em São Paulo. Perguntei-lhe – não sabia dessa história de Chicago ainda: “Como é que ele te reconheceu?” “Ah, deve ser por causa da voz”, respondeu.

Por timidez, nunca tinha tido a coragem de puxar uma conversinha com ele apesar de vê-lo com frequência. Acho que pesava a diferença de idade: uns trinta anos. Um dia o Alberico Cilento, a quem conhecia há tempos, me disse “Você não conhece o Conde”, e me apresentou. Ficamos amigos. Vi muitos shows de graça com ele. Quando Dôra não ia, telefonava convidando-me. Vi Jane Monheit duas vezes, Nnena Freelon, Carla Cook, Karrin Allyson, Russell Malone, James Carter, Kurt Elling e John Pizzarelli umas quatro vezes no Bourbon Street. Ele sempre ia conversar com os músicos, levava lps e cds para serem autografados, e eu lá, meio tímido, no meio daqueles feras.

Conde era um cara do jazz. Gostava de MPB instrumental também, não muito mais que isso. O formato preferido dele era o trio – piano, baixo e bateria – e os gêneros preferidos, o bop e o hard bop. Brincava com meus amigos dizendo que, se ele fosse jovem, seria fã de heavy metal. Gostava de “pauleira”. Não gostava de piano solo e odiava pianos elétricos. O Alberico me contou que, uma vez, quando estavam em Washington D.C., resolveram assistir a uma apresentação solo de Keith Jarrett no Lincoln Center. Com a casa cheia, acabaram assistindo no palco. O Conde dormiu na apresentação… diante de centenas de pessoas.

Há dois anos Conde deixou seus amigos órfãos de suas histórias, de sua mordacidade e de seu imenso conhecimento. Mesmo doente não perdia seu humor peculiar. Sem poder se locomover direito recebia seus amigos. Um dia liguei querendo dar uma passada por lá. Perguntei se estava bem e ele respondeu com aquele vozeirão: “Está tudo mal. E o pior é que daqui a pouco vem a fisioterapeuta.” Ele tinha um enfermeiro, cara grandão, jeito de boa gente, o Moisés, que cuidava dele. E não é que ele nesse pouco tempo já começava a gostar de jazz e meio que já conhecia os gostos do Conde? Uma vez quando estava lá disse: “O senhor quer que eu coloque aquele disco do Tony Bennett?”

O cantor preferido de Conde era Mel Tormé. Numa vez em que eu estava para ir a Nova York – ele tinha voltado de lá na semana anterior –, ligou e pediu que eu comprasse um CD de Tormé, George Shearing e Gerry Mulligan no Carnegie Hall, que ia ser lançado nos dias em que eu estaria por lá. Comprei. Duas semanas depois tocou o cd no seu programa.

A música que ele mais gostava era Body and Soul. Se existisse um registro dela por Odair José, teria comprado. No dia de seu enterro seu amigo Cláudio gravou um cd exclusivamente com interpretações de Body and Soul e distribuiu a todos os presentes. Moisés estava lá com sua família.

No primeiro show em que fomos sem ele, no Auditório Ibirapuera, meio chato, reunimo-nos no intervalo e pensamos a mesma coisa quase ao mesmo tempo. Alberico comentou: “O Conde deve estar lá falando: ainda bem que eu não fui.

Ouça Body and Soul, com Mel Tormé.




Mel Tormé, o cantor preferido do Conde, canta A Foggy Day: http://www.youtube.com/watch?v=tVCDZaApwV8

2 comentários:

  1. Puxa Guen, eu não conhecia esta tua verve de escrever tão bem ! Adorei o texto e fiquei emocionado ao lembrar do Conde, com quem partilhei uma amizade de quase cinquenta anos !

    Muitas vezes nos encontramos no Bourbon às "custas" do Conde naquelas noites memoráveis que infelizmente não voltam mais...
    abraços
    André

    ResponderExcluir
  2. A foto do Conde com o Russell Malone é sua. Fomos juntos. Lembra?
    Abs

    ResponderExcluir