terça-feira, 3 de maio de 2011

Herbie Hancock e Joni Mitchell

Os discos-tributo são uma febre no mercado da música faz um bom tempo: descobriram seu potencial mercadológico. No Brasil, a gravadora Lumiar produziu inúmeros songbook. É sempre interessante ouvir como o outro interpreta outrém. Particularmente, é uma fórmula que me atrai. É enorme a quantidade de compositores/intérpretes no País e, na maioria, são craques em ambos os misteres. Composições de João Bosco são quase indissociáveis a sua maneira de cantar. Existe versão melhor de Cais que a do próprio Milton Nascimento? Alguém pode discordar citando as interpretações de Caetano Veloso ou a de Nana Caymmi. E Milton cantando ‘Beatriz’, de Edu Lobo e Chico Buarque? Depois dele até ficou difícil avnturar-se a cantá-la. A concorrência é braba.

Melhores ou não, aquele que interpreta, passa sua visão pessoal com suas transcendências e suas limitações. Adoro Na batucada da vida, de Ary Barroso, cantada por Tom Jobim. Acho que a maioria das pessoas vai concordar comigo se disser que Tom não é um grande cantor. Muitos discordarão se disser que prefiro a dele à de Elis Regina, por exemplo. Mas é fato. Não é por afinação, voz, ritmo etc. Acho que combina com o jeito “largado” com que canta. Não sei se acho o Lady Madonna com os Beatles cantando melhor do que a interpretação de Caetano. Porém, posso dizer com tranquilidade que, depois de ouvi-la no ritmo lerdo que imprime, tornou-se o meu “modo” de ouvi-la. Ele soube ver um outro lado da música. O mesmo acontece com For No One. Sua versão é fenomenal. Não diria a mesma coisa de seu Help, mas é bem legal esse “jeito de olhar” de um intérprete inteligente.

Herbie e Joni
A amizade do pianista Herbie Hancock com a compositora e cantora canadense Joni Mitchell vem de muito tempo. Em 1979, Hancock e o saxofonista Wayne Shorter colaboraram no álbum Mingus. De cantora folk, no início da carreira, ampliou em muito seu repertório por meio de colaborações de músicos de vários gêneros. Naturalmente, aproximou-se do conterrâneo Neil Young e dos outros três que formariam uma das superbandas da década de 1970: Crosby, Stills, Nash & Young. É autora da música Woodstock, que está no disco Déjà vu. E isso foi na década de 1960. Não deixou a peteca cair e continua a compor e a cantar muito bem.

Em 2007 foi lançado o CD River: The Joni Letters. Não é especificamente um tributo. Joni Mitchell é o plot para o disco concebido por Hancock e o coprodutor de longa data de Mitchell, Larry Klein. A maioria das canções são cantadas por convidados: Court and Spark por Norah Jones, Edith and the Kingpin por Tina Turner, River por Corinne Bailey Rae, Amelia por Luciana Souza e The Tea Leaf Prophecy, pela própria Joni Mitchell. A única voz masculina é a de Leonard Cohen em The Jungle Line, em que, com sua voz cada vez mais cavernosa, apenas recita a letra e fecha com chave de ouro o CD. As três restantes são instrumentais, sendo duas de outros autores: Solitude, de Duke Ellington, e Nefertiti, de Wayne Shorter, saxofonista que participa do álbum, com o baixista Dave Holland, Vinnie Colaiuta na bateria e Lionel Loueke na guitarra. É um time de primeira.

É interessante prestar atenção ao partido que Hancock tomou ao gravar o CD. A instrumentação é econômica. Intervenções pontuais de Wayne Shorter no sax tenor, um discreto baixo de Holland e a bateria sendo quase que apenas um delicado “colchão” de sons percutidos e uma guitarra que quase não aparece, valorizam as figuras que Hancock constroi ao piano. Foge-se um pouco dos espaços de um instrumento servindo de solo. Na bela versão instrumental de ‘Both Sides Now’, o piano é uma linha mestra em que se atam os fios dos sons da bateria e do baixo com a guitarra em intervenções “abstratas”, em que o arremate são as notas melancólicas e esparsas do sax tenor de Wayne Shorter.

São brilhantes as versões de Corinne Bailey Rae cantando ‘River’ com o delicado violão acústico soando no fundo, e a de Luciana Souza em ‘Amelia’. Até Norah Jones se sai bem em ‘Court and Spark’, primeira faixa do cd. Tenho dúvidas se o disco é tão bom para merecer os Grammy em 2008 (“Álbum do Ano” e “Melhor Disco de Jazz Contemporâneo”). Bom, se premiam Beyoncé, Kenny G e Julio Iglesias, bem, tudo é possível. Tem Joni Mitchell melhor e Hancock também. É bom, mas não tinham melhores?


Corinne Bailey Rae canta River.




Publicado em 12/11/2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário