Manfred Eicher |
Eicher gravou americanos – Jarrett, Chick Corea, Ralph Towner, Art Ensemble of Chicago – e europeus, revelando escandinavos e alemães – Terje Rypdal, Bobo Stenson, Eberhard Weber, Jan Garbarek – e montou formações em que as duas linguagens se mesclavam. Na formação da banda do vibrafonista americano Gary Burton, que gravou o esplêndido Ring, havia um jovem guitarrista de menos de 18 anos: Pat Metheny. Logo gravaria como líder. O primeiro é uma joia jazzística, que continua moderna até hoje: Bright Size Life. Metheny juntou-se a outro talento emergente – o baixista Jaco Pastorius – e o baterista Bob Moses gravando um dos melhores discos até hoje gravados nesse formato. Pat era extremamente habilidoso e talentoso e, sobretudo, jovem. Nos seus vinte anos jamais poderia passar incólume pela avalanche do rock. Devia ouvir rock e era, foi o que disse, admirador do Steely Dan, de Donald Fagen e Walter Becker, que fazia um pop apoiado por muitos músicos ligados ao jazz. Pat se juntou ao tecladista Lyle Mays, jovem como ele, e produziram sons climáticos um tanto estranhos à linguagem mais tradicional do jazz, no entanto, extremamente belos. Gravaria, em 1979, um álbum “roqueiro”: American Garage. Seria outro sucesso de vendas da ECM.
A gravadora de Eicher, à mercê dos que a execravam, significou uma renovação na linguagem musical. Os mesmos que odiaram o “third stream”, corrente em que o jazz se “aproximava” do erudito, idealizada por Günther Schuller e que teve como um dos principais entusiastas John Lewis, pianista, compositor e líder do Modern Jazz Quartet, torceram seus narizes para os “produtos ECM”. Manfred soube, sabiamente, mesclar as linguagens europeia e americana. Keith Jarrett, que tinha seu quarteto americano (Jarrett/Haden/Redman/Motian) em registros pela Impulse e, na ECM, formou um europeu com o saxofonista Jan Garbarek, Palle Danielssen e Jon Christensen. São dois tipos de approach com a música bem diversos.
Músicos talentosos e pouco conhecidos fora de seus países de origem tiveram a oportunidade de gravar pela ECM e, assim, puderam mostrar seus trabalhos para o resto do mundo. São os casos de Egberto Gismonti, o bandaneonista argentino Dino Saluzzi, o violinista indiano L. Shankar e o tunisiano Anouar Brahem, que toca um instrumento chamado oud, meio parecido com o alaúde. Mas Eicher não ficou circunscrito ao jazz. Criou o selo “ECM New Series”, abrigando compositores contemporâneos de música erudita como Arvo Pärt, Alfred Schnittke, Gavin Bryars, Heinz Holliger e John Adams. Antes da criação do novo selo, gravara discos bem “diferentes”, como Dolmen Music, em 1979, que é um conjunto de experiências radicais com vozes – “primais”? – da americana Meredith Monk, e Music for 18 Musicians e Tehilim, ambos de Steve Reich, no início da década de 1980. São peças que, comumente, estão classificadas como música repetitiva ou minimalista. Na primeira, o tema vai se desenvolvendo em repetições que vão mudando conforme as combinações instrumentais e vocais. ‘Tehilim’ é uma peça sustentada nos salmos hebreus que são cantados por quatro vozes femininas acompanhadas por instrumentos de sopro, cordas e percussão. Dos compositores do que é considerada “música repetitiva”, Reich é um dos expoentes, muito superior que seu conterrâneo Philip Glass. Suas composições têm um colorido especial; são hipnotizantes pelas combinações de instrumentos percussivos – como marimbas e xilifones – e de cordas e sopros e vozes que são entoadas e tocados em “loopings” e variações quase imperceptíveis, bem mais ricas que as massas sonoras de Glass. Repetição não significa, necessariamente, monotonia.
Diferentes formações resultaram em diferentes resultados. E, apesar de, sim, existir o que pode ser chamado de “som ECM”, são registros de muito bom gosto e de resultados muitas vezes, surpreendentes. Apenas numa gravadora como a de Eicher foram possíveis reuniões como a do trumpetista e pianista “acidental” Don Cherry com o baterista polifônico Ed Blackwell (El Corazón), Don Cherry, Ed Blackwell, o baixista Charlie Haden e o sax tenor Dewey Redman (Old and New Dreams), ou do Codona (“Co” de Colin Walcott, “Do” de Don Cherry e “Na” de Naná Vasconcelos). A liberdade, bom gosto e, ao mesmo tempo, a mão de ferro do alemão, deu abertura para que, por exemplo, Egberto Gismonti registrasse suas composições para orquestra ou Jan Garbarek fizesse discos “étnicos” com o músico paquistanês Ustad Fateh Ali Khan, Anouar Brahem ou Ustad Shaukat Hussain. Seria até monónoto registrar outras combinações que Eicher propiciou ao público que gosta de música, sem conceitos préconcebidos. O alemão e sua gravadora, certamente, ficarão na história como um dos responsáveis pela evolução da música distanciada de qualquer rótulo.
Para exemplificar a ousadia de Manfred Eicher, o alemão gravou alguns discos com a americana Meredith Monk. Veja um trecho da performance de Dolmen Music, que foi gravada em disco.
Publicado em 20/4/2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário