terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O equívoco de Eliane Elias

O sucesso de Diana Krall fez coisa em alguns. Inclua-se aqui a conterrânea Eliane Elias. Com sólida formação – quase trinta anos de carreira – é uma abençoada pianista. Cabe aqui indagar por que resolveu cantar. Só porque é afinada? É, porém, bem superior com as mãos. Seu pai musical, com certeza é Bill Evans. Não é uma simples emuladora do genial americano morto com apenas 51 anos.

Uma suposição é a de que o sucesso de alguns, como o de Diana Krall e algumas injunções “comercialísticas” de sua gravadora a tenham levado a aventurar-se pelo canto. Se isso resultou em aumento das vendas, eclipsou suas qualidades no teclado. Por obra do destino está casada com o último baixista de Bill Evans, Marc Johnson. Elias antes foi casada com o trumpetista “fusion” Randy Brecker, irmão do saxofonista tenor Michael Brecker, que produziu Eliane Elias Plays Jobim.

Poses sensuais não são exclusividade de Diana Krall
Nat King Cole, antes de cantor, era um pianista e dos bons. O formato trio piano/guitarra/baixo foi uma inovação e teve seguidores como Oscar Peterson, outro genial pianista. Tinha uma voz única, aveludada e abaritonada, sensual, e o que Deus dá não deve ser desprezado. Fez bom uso dela e foi abençoado com milhões de dólares no banco. Canções como Unforgettable, Blue Gardenia e Mona Lisa embalaram milhares de romances e namoros. Nat tem a voz – é no presente, porque é eterno – que penetra nos sentimentos mais básicos da raça humana. A “maldição” – talvez essa palavra seja um pouco forte demais – de ter virado cantor é de que se foi o grande pianista. Foi engolido pelas ondas do sucesso comercial. Teve um programa de TV que, por um ano de muito sucesso, sobreviveu sem patrocínios, apenas com a ajuda de amigos brancos como Frank Sinatra que o prestigiaram com suas presenças. Os anunciantes, com receio de propagandearem seus produtos em um programa comandado por um afro-americano decretaram a morte do Nat King Cole Show, pela NBC. Num documentário sobre Cole, sua mulher comenta sobre a discriminação que sofreram por viverem em um bairro rico. O negro tinha seu lugar e mesmo bem-sucedido não era benvindo morar num bairro de WASPs.

King Cole é o primeiro nome que vem à lembrança quando o assunto é “instrumentistas/cantores”. Há aqueles ocasionais como Maynard Ferguson, Dizzy Gillespie, que não faziam feio quando cantavam. Nos tempos mais contemporâneos, os mais conhecidos são mesmo Diana Krall e o guitarrista John Pizzarelli, que tem voz agradável e bom ritmo e, menos um pouco, o pianista Peter Cincotti e Harry Connick, Jr., que anda meio sumido depois de ter feito fama com a trilha de When Harry Met Sally…, que depois resolveu atirar para tudo quanto é lado, arriscando-se, inclusive a ser ator no belo filme Memphis Belle, em que canta um competente Danny Boy. O mundo está sempre um ponto a mais que sua verdadeira capacidade. Mas não é assim que “caminha a humanidade”?

A menção a Cole não é despropositada: ele é um dos ídolos de Krall, tendo gravado, inclusive, um disco dedicado a ele, All for You, de 1986, que tem um belíssimo Hit that Jive Jack e um sensível Boulevard of Broken Dreams, com um lindo solo de piano e uma delicada percussão abolerada. Como ele, Krall foi abençoada com uma voz especial.

Nas linhas ou entrelinhas, o que aqui se coloca está claro. Eliane Elias embalou-se pelo sucesso dessa fórmula. “Já que Krall canta, por que não eu?” Se não estiver enganado, a primeira vez em que cantou foi na última faixa – Por Causa de Você –, em Eliane Elias Plays Jobim, de 1990. Há uma grande diferença em ser cantora ocasional, soltando a voz aqui ou acolá e fazer um disco em que isso é a tônica.

Em 1998, lançaria Eliane Elias Sings Jobim cantando em quase todas as faixas. Coincidência ou não, a capa e o encarte é uma coleção de fotos em imagens sensuais: na capa, um perfil lânguido e um generoso decote de um vestido estampado curto se recorta tendo ao fundo uma piscina. Quer capa mais sugestiva? Nas imagens internas, de cabelos soltos, faz poses tão “sensuais” quanto. É uma bela mulher, sem dúvida. Mas, precisa? Quando a imagem é melhor que o som, alguma coisa anda errada. Elias é afinada, mas não solta a voz. Nos discos posteriores continuou a soltar a voz presa.

Em 2007, gravou um tributo a Bill Evans: Something for You. Tem bons momentos. Coincidência ou não, Elias sempre esteve próxima a alguns músicos que acompanharam Evans: Marc Johnson, e Eddie Gomez, baixista também, que o acompanhou por muitos anos. No tributo, toca o baixo, Marc Johnson, e a bateria, Joey Baron. Deu um trio afinado que não deixaria Evans com vergonha. O problema desse álbum é o mesmo: é quando canta.

No ano seguinte, lançou Bossa Nova Stories. De novo, imagens lânguidas, desta vez, com visual mais formal e elegante. Lembra Krall pelas piores intenções. Convenhamos: é uma bela cinquentona (completados em março de 2010). Se o visual é deslumbrante, o repertório é aquele mesmo de sempre, alternados de clássicos da bossa nova com “standards” em ritmo idem. É uma fórmula bem desgastada que começou com Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim, lançado em 1967, onde o “Rei da Voz” canta Change Partners, de Irving Berlin – vejam, foi composta em 1938! – e I Concentrate on You (1940), de Cole Porter, em ritmo bossa nova. Sinatra e Jobim foram geniais. Alguns desses filhotes são bons e até brilhantes. Mas não é o caso desse Bossa Nova Stories.

Elias não faz feio ao piano. Nessa apresentação, toca com o marido Marc Johnson e o baterista Satoshi Takeshi.

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