terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A boa aposta em Melody Gardot

O talento de Melody
É estranho a grande imprensa no Brasil não ter dado a devida atenção a Melody Gardot. Seu último disco foi lançado no Brasil e, até onde eu sei, não se falou dela. Não faltam elementos que podem funcionar como “ganchos” para uma bela matéria, a começar pelo nome, que nos faz lembrar de Brigitte Bardot; é autora da maioria das músicas que grava. E aqueles óculos? Até nas capas de seus discos? Tem presença, é uma bela figura. Usa bengala para andar. O que pode ter acontecido com ela? E um último e importante detalhe: tem talento.

A razão de usar bengala e usar óculos escuros são a consequência de ter sido atropelada aos 19 anos andando de bicicleta. Ficou um ano hospitalizada. As sequelas foram sérios danos na bacia e na espinha, intolerância ao som e a luz. Antes de saber disso imaginei que os óculos eram uma acessório para lhe dar um certo ar de “intelectual” francesa, meio Audrey Hepburn em Funny Face. Pelo nome pensei que fosse francesa. Curioso e meio voyeur, aquele rosto na capa do CD que via exposto em todas as Fnacs e Virgins de Paris, me atraiu. Talvez fosse francesa cantando em inglês. Enganei-me. O disco não me impressionou muito na época: era meio Norah Jones e como não era lá muito fã dela, meio que a abandonei.

Um ano depois vi seu segundo disco. Por causa do título, My One and Only Thrill, que deve ter sido inspirado pela música My One and Only Love, que eu adoro, resolvi comprar.

Worrisome Heart, seu primeiro CD – tem o EP Some Lessons: The Bedroom Sessions entre os dois lançamentos –, como disse antes, me fez lembrar de Norah Jones e de várias outras que apareceram na mesma época, com o mesmo tipo de voz e repertório, meio molenga, um pouco insosso. No entanto tinha uma canção maravilhosa: Love Me Like a River Does. E a letra é uma maravilha: “Love me like a river does/ Cross the sea/ Love me like a river does/ Endlessly/ Love me like a river/ Baby, don’t rush, you’re not a waterfall”. Vale o disco. Imagens têm sentimentos.

O segundo, para meu espanto, era bem melhor que o anterior. Descobri por que: a produção era de Larry Klein. Ele tem a capacidade de valorizar e potencializar o talento de quem produz: Joni Mitchell, Madeleine Peyroux e Luciana Souza. Orquestrações sutis, solos discretos na medida se somam ao talento de Gardot como compositora e cantora. As canções “tristes” são as melhores e bem combinam com sua voz. Nas músicas mais “saltitantes”, dá-se bem também. A primeira faixa, Baby I”m a Fool parece com qualquer outra do CD anterior à exceção de um pequeno detalhe: o diferencial Klein. Cordas e um violão acústico que servem de ligação às palavras cantadas são um prenúncio do que está por vir. Larry Klein imprime um sabor “francês”, um clima meio bossa. A citação não é despropositada. Ouçam Coralie Clément, Carla Bruni e Charlotte Gainsbourg. Podemos dizer que existe um estilo “francês” de cantar: vozes pequenas e afinadas, com aquela sensualidade meio despretenciosa. Parte do álbum segue essa receita. Na quarta música, sentimos que algo está acontecendo. Um piano, um trumpete de poucas notas e um órgão criam o clima para a primeira faixa que vai fazer valer a pena comprar o disco: Your Heart Is as Black as Night. Só pelo título dá para imaginar o petardo que vem. Duas canções climáticas se seguem: Lover Undercover e Our Love Is Easy. Nessa altura, somos cúmplices das dores de Gardot. É um crescendo que se oxigena com uma leve faixa cantada em francês, meio Henri Salvador, leve percussão, sopros dobrados, aquele violãozinho; o chantilly desse doce é um belo solo no sax alto de Gary Foster.

Aí, Melody resolve nos tirar o fôlego de vez. A balada The Rain é daquelas de suspendermos a respiração para ouvir sua voz, o piano e as notas esparsas do sax tenor de Bryan Rogers. Ouvi-la faz chover em nossos corações. Uma sessão de cordas abre a próxima: My One and Only Thrill. Com Deep Within the Corner of My Mind, as duas anteriores formam um bloco só. Sua voz é doce e dramática, sem arroubos.

Gardot então canta a única música que não leva sua assinatura: Over the Rainbow. E termina com If the Stars Were Mine. Sim, há esperança nesse mundo. Um arco-íris desponta no horizonte. Num clima meio bossa saímos felizes por conhecer uma cantora que vale apostarmos nossas fichas.

Veja:
My One and Only Thrill

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Baby, I’m a Fool

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Your Heart Is Black as Night:




Love Me Like a River Does:



Publicado em 29/10/2009

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