O lado pintora de Joni Mitchell |
Nesse festival de classificações é, até hoje, considerada cantora folk. Um ano depois de lançar o primeiro disco, ganhou um Grammy como melhor cantora desse gênero. Em vez de “sentar na cama da fama”, em seu terceiro álbum – Court and Spark, de 1974 –, fugindo da fórmula folk “violão/voz”, “violão/voz/gaita” ou “piano/voz”, gravou com músicos ligados ao jazz – o guitarrista Larry Carlton, o tecladista Joe Sample e o saxofonista Tom Scott. Resultou num disco de sonoridade sofisticada, que pode ser comprovada em canções como Free Man in Paris, com suas breves notas de flautas e guitarras com os violões acústicos marcando o ritmo. Aliás, ninguém toca violão como ela. Isso não quer dizer que seja a melhor. Significa apenas que “ninguém toca como ela”. Utiliza-se de afinações inusitadas imprimindo ritmos únicos, às vezes, dramáticos e percutidos. Ouça o “intro” do disco Don Juan’s Reckless Daughter para entender o que quero dizer.
A virada, no entanto, acontecerá no belo álbum Hejira. O trabalho gráfico – pena que tenha se perdido na versão em CD – é primoroso. Na capa tem o rosto de Mitchell em primeiro plano à frente de uma paisagem solitária e, fundido em sua roupa preta, uma estrada que termina numa grande nuvem branca. As imagens nos remetem a Ansel Adams, a Edward Weston e a Michael Keena, àquelas paisagens americanas em primoroso branco e preto. É o início da parceria com o baixista, prematuramente morto, Jaco Pastorius. O som de seu baixo, inimitável, é o diferencial. Resultou numa perfeita combinação com o violão de Mitchell. Neste álbum estão Coyote, a maravilhosa Amelia – homenagem que faz à pioneira da aviação, Amelia Earhart –, Furry Sings the Blues, Hejira, Blue Motel Room e Black Crow. Vejam o que é o mercado: a partir desse disco, passou a vender menos.
Don Juan’s Reckless Daughter, o disco seguinte, representa uma ruptura na sua discografia. O saxofonista Wayne Shorter, os percussionistas Don Alias, Airto Moreira, Alejandro Acuña e Manolo Badrena, e o arranjador Michael Gibbs participam da gravação. Mas é o baixo fretless de Pastorius que imprime o ritmo de quase todo o álbum. Suas participações são sempre tão significativas que, ao ouvirmos as primeiras notas, sabemos que é ele. Ouçam o primeiro disco solo de Pat Metheny, Bright Size Life. O baixo cantante de Pastorius se sobressai de tal forma que merecia seu nome na capa junto ao de Metheny. O mundo realmente passou a prestar atenção nele quando entrou para a banda formada por Wayne Shorter e Joe Zawinul. O Weather Report virou “outro” Weather Report: tornou-se a banda de Shorter, Zawinul e Pastorius. Por sinal, Victor Bailey, que o sucedeu no baixo, foi avisado pelos seus líderes de que seria apenas um sideman. E olhe que ele não era ruim: mesmo discreto, arrasa na faixa título Procession.
Don Juan é a aventura mais radical de Mitchell. Quando saiu, em 1977, causou-me um certo estranhamento. Sei que, décadas depois, ainda ouço este e outros discos de Joni: é um caso de amor “comprido”, tanto quanto a quantidade de namorados que teve. Os destaques são Cotton Avenue, Talk to Me, Jericho e Don Juan’s Reckless Daughter, que são a mostra de quanto funcionou a parceria Pastorius/Mitchell, e The Silky Veils of Ardour, brilhante balada que fecha o disco. As “experimentais” são The Tenth World, com quatro percussionistas e Dreamland, meio “tribal”. A propósito, existe uma versão desta última, gravada por Caetano. Mas, de todas as faixas, a mais impressionante mesmo é Paprika Plains, arranjada e orquestrada por Michael Gibbs, que chamou a atenção de Charles Mingus para a música de Mitchell (leia post anterior: http://bit.ly/eX6YHX).
Ouça Silky Veils of Ardour.
Publicado em 24/11/2009
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