quinta-feira, 14 de abril de 2011

Joni Mitchell e o jazz

“Sou primeiro, uma pintora e uma musicista em segundo lugar.” A afirmação é de Joni Mitchell. Se na música, não tem de provar mais nada, opiniões quanto suas habilidades como pintora, com certeza, não serão unânimes. Mas, no mínimo, tem mostrado que “tem jeito para a coisa” e que conhece algo de artes plásticas. Seu bom gosto cromático e gestualidade nas pinceladas demonstram que não pode ser considerada, simplesmente, diletante. Em suas pinturas há uma mistura de influências que vão desde Van Gogh – a mais evidente – aos mais modernos, como Georgia O’Keefe e Richard Diebenkorn.

O lado pintora de Joni Mitchell
Além do lado musical, tem exercido esse talento para as artes visuais desde o primeiro disco: é seu o desenho de Song to a Seagull. A maioria das capas de seus discos são de sua autoria. Dessa forma, no decorrer desses quase 40 anos de carreira, pudemos acompanhar sua evolucão como pintora também. Seu lado “artista plástica”, assim como sua carreira musical, demonstram um certo “desassossego” típico dos grandes artistas, que sempre estão em busca do novo.

Nesse festival de classificações é, até hoje, considerada cantora folk. Um ano depois de lançar o primeiro disco, ganhou um Grammy como melhor cantora desse gênero. Em vez de “sentar na cama da fama”, em seu terceiro álbum – Court and Spark, de 1974 –, fugindo da fórmula folk “violão/voz”, “violão/voz/gaita” ou “piano/voz”, gravou com músicos ligados ao jazz – o guitarrista Larry Carlton, o tecladista Joe Sample e o saxofonista Tom Scott. Resultou num disco de sonoridade sofisticada, que pode ser comprovada em canções como Free Man in Paris, com suas breves notas de flautas e guitarras com os violões acústicos marcando o ritmo. Aliás, ninguém toca violão como ela. Isso não quer dizer que seja a melhor. Significa apenas que “ninguém toca como ela”. Utiliza-se de afinações inusitadas imprimindo ritmos únicos, às vezes, dramáticos e percutidos. Ouça o “intro” do disco Don Juan’s Reckless Daughter para entender o que quero dizer.

A virada, no entanto, acontecerá no belo álbum Hejira. O trabalho gráfico – pena que tenha se perdido na versão em CD – é primoroso. Na capa tem o rosto de Mitchell em primeiro plano à frente de uma paisagem solitária e, fundido em sua roupa preta, uma estrada que termina numa grande nuvem branca. As imagens nos remetem a Ansel Adams, a Edward Weston e a Michael Keena, àquelas paisagens americanas em primoroso branco e preto. É o início da parceria com o baixista, prematuramente morto, Jaco Pastorius. O som de seu baixo, inimitável, é o diferencial. Resultou numa perfeita combinação com o violão de Mitchell. Neste álbum estão Coyote, a maravilhosa Amelia – homenagem que faz à pioneira da aviação, Amelia Earhart –, Furry Sings the Blues, Hejira, Blue Motel Room e Black Crow. Vejam o que é o mercado: a partir desse disco, passou a vender menos.

Don Juan’s Reckless Daughter, o disco seguinte, representa uma ruptura na sua discografia. O saxofonista Wayne Shorter, os percussionistas Don Alias, Airto Moreira, Alejandro Acuña e Manolo Badrena, e o arranjador Michael Gibbs participam da gravação. Mas é o baixo fretless de Pastorius que imprime o ritmo de quase todo o álbum. Suas participações são sempre tão significativas que, ao ouvirmos as primeiras notas, sabemos que é ele. Ouçam o primeiro disco solo de Pat Metheny, Bright Size Life. O baixo cantante de Pastorius se sobressai de tal forma que merecia seu nome na capa junto ao de Metheny. O mundo realmente passou a prestar atenção nele quando entrou para a banda formada por Wayne Shorter e Joe Zawinul. O Weather Report virou “outro” Weather Report: tornou-se a banda de Shorter, Zawinul e Pastorius. Por sinal, Victor Bailey, que o sucedeu no baixo, foi avisado pelos seus líderes de que seria apenas um sideman. E olhe que ele não era ruim: mesmo discreto, arrasa na faixa título Procession.

Don Juan é a aventura mais radical de Mitchell. Quando saiu, em 1977, causou-me um certo estranhamento. Sei que, décadas depois, ainda ouço este e outros discos de Joni: é um caso de amor “comprido”, tanto quanto a quantidade de namorados que teve. Os destaques são Cotton Avenue, Talk to Me, Jericho e Don Juan’s Reckless Daughter, que são a mostra de quanto funcionou a parceria Pastorius/Mitchell, e The Silky Veils of Ardour, brilhante balada que fecha o disco. As “experimentais” são The Tenth World, com quatro percussionistas e Dreamland, meio “tribal”. A propósito, existe uma versão desta última, gravada por Caetano. Mas, de todas as faixas, a mais impressionante mesmo é Paprika Plains, arranjada e orquestrada por Michael Gibbs, que chamou a atenção de Charles Mingus para a música de Mitchell (leia post anterior: http://bit.ly/eX6YHX).

Ouça Silky Veils of Ardour.



Publicado em 24/11/2009

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