A pimenteira de Pedro |
No começo de 2010, alertado por algumas referências elogiosas, inclusive a de Caetano Veloso, fui atrás de um disco de um certo Pedro Miranda. Chamava-se Pimenteira. Estava completado o círculo. Era ele o percussionista do show de Teresa Cristina.
É o samba negro? E o blues? A música é generosa, universal. Os universos se “entrelaçam” e resultam em belos “estranhamentos. A absorção da cultura africana por Pablo Picasso, a reinterpretação da linguagem do blues de Jimmy Page e Robert Plant na composição Since I’ve Been Lovin’ You, as gravações de Eric Clapton das composições de Robert Johnson, o samba “italiano” de Adoniran Barbosa, o jeitão “Brás” de Miriam Batucada, tudo faz parte dessa “estranha beleza”. Cada cultura traz um dado novo. Errou aquele jornalista da revista IstoÉ que, quando foi lançado o disco Insights, da Toshiko Akiyoshi–Lew Tabackin Big Band, em 1978, em sua imensa ignorância, querendo ser engraçadinho, disse que japoneses não deveriam fazer jazz – era uma coisa mais ou menos assim. O desinformado e preconceituoso jornalista nem devia conhecer o jazz, senão saberia que a bigband de Akiyoshi e do saxofonista e flautista Tabackin era considerada, disparado, a melhor, premiada por revistas especializadas de jazz e pela ‘Stero Review’. Desconhecia também que Akiyoshi tinha sido considerada a melhor arranjadora por cinco vezes e duas vezes como compositora e Insight tinha ficado em primeiro lugar nos melhores do ano pela revista Downbeat. Por isso, o samba pode ser negro e até javanês, diria Lima Barreto.
Pode ser um pouco moda se dizer das intertextualidades, mas é interessante esse cruzamento de informações e culturas. Numa matéria publicada em O Estado de S. Paulo, em dezembro de 2009, Pedro diz que em sua juventude ouvia só rock brasileiro e reggae. Paulinho da Viola, Cartola, ouvia se alguém estivesse ouvindo e ele estivesse por perto. A “revelação” acontece a partir do momento em que descobre que o samba era parte dele. Pedro vai tocar pandeiro e, certamente seu gosto pela batida pesada e “malemolente” do reggae estará incorporado. Do mesmo modo, seu jeito de interpretar o samba estará permeado pelas formas musicais de que gostava. Não é só por ser branco que seu samba terá uma “cara”.
A revitalização da Lapa carioca resultou em uma transformação de vários gêneros musicais brasileiros, principalmente, do samba e do choro. Teresa Cristina, assim como alguns que despontaram atuando nos bares da Lapa, estão renovando a música brasileira. São jovens e talentosos.
Além de Pedro Miranda, tem Marcos Sacramento, que fez o memorável Memorável Samba, álbum de 2004, que é um conjunto de pérolas do samba para nenhum “Moreira da Silva botar defeito“. Tem algo em comum entre os dois. Ambos têm vozes com registro um pouco mais agudo, diferente do de muitos sambistas negros. São vozes de brancos, assim como diferenciaríamos as vozes “negras” de Sarah Vaughan ou Ella Fitzgerald das “brancas” de Anita O’Day e June Christy. Eles são bons na escolha do repertório. São músicas de letras espirituosas tão características do samba “malandro”. No caso de Miranda, a mão de Cristina Buarque na pesquisa do repertório é evidente – o cantor credita a ela e a Paulão 7 Cordas nos agradecimentos.
Em 2002, com produção de Hermínio Bello de Carvalho, foi lançado o cd duplo O Samba É Minha Nobreza. Participavam dele Teresa Cristina, Paulão 7 Cordas, diretor musical do espetáculo e Cristina Buarque, que, sem muito aparecer, está em todas e é uma das responsáveis pelas “redescobertas” preciosas. Outro que participou deste projeto foi Pedro Miranda, cantando em várias faixas. Não é mero acaso que, nesse seu segundo disco solo, apresente tanta consistência,
O destaque em ‘Pimenteira’ são os arranjos, na maioria do violonista Luís Felipe de Lima. Ótimos, além da cozinha costumeira das cordas e das percussões, os sopros são o diferencial. As intervenções das flautas, dos trombones , dos clarones – prestem atenção no arranjo de Caso Encerrado – e dos saxofones são perfeitas. Em Meio-Tom tem até um órgão Hammond tocado por Itamar Assiere e um vocal fenomenal do Anjos da Lua. Outro “corpo estranho” é a inclusão do violino do franco-carioca Nicolas Krassik.
Se Pimenteira fosse apenas isso, já estava bom. Tem mais, no entanto. Há um repertório de músicas de compositores da nova geração, como Edu Krieger, Pedro Amorim, Moysés Marques e Maurício Carrilho, seus amigos da Lapa, e composições de consagrados como Nei Lopes, Elton Medeiros e Nelson Cavaquinho. A deste último tem letra de Alcides Lopes e estava inédita em disco. Chama-se Velhice. É um primor da rudeza com a figura feminina, como Mulher de Malandro, de Heitor dos Prazeres, ou Marido da Orgia, de Ciro de Souza. A letra: “Vejo você hoje em dia acabada/ Quem te viu, quem te vê,/ quando eras amada/ Hoje a velhice apoderou-se de você/ Eu não sinto saudade da/ Mocidade nem vivo a sofrer/ Assim diz você/ Assim diz você/ Vá te mirar no espelho e veja/ como estás velha/ Estás no último degrau da vida/ Não vou zombar de você/ Porque também vou pra lá/ Mais tarde a velhice de mim vai se apoderar”. É sempre divertido ouvir essas músicas em tempos tão politicamente corretos.
Veja e ouça Pedro Miranda e Teresa Cristina:
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