quinta-feira, 16 de junho de 2011

Keith Jarrett em São Paulo

Conversar com meu amigo Alberico Cilento é um dos bons prazeres que alguém pode ter. Poucos conhecem mais música do que ele. Não conhece apenas o jazz. Gosta de qualquer gênero musical, contanto que seja de boa qualidade. Com ele converso sobre música erudita, jazz e até bolero. Posso também trocar ideias sobre arquitetura, artes plásticas, cinema, enfim, sobre qualquer coisa que esteja relacionada à arte. Até onde pude pegar, seus ídolos são o pianista Erroll Garner e o arquiteto Frank Lloyd Wright. Tinha enviado o link de alguns textos, dentre eles, o ‘Dalva, Herivelto e Keith Jarrett’ (http://bit.ly/mGWeDT). Recebi um e-mail com alguns comentários que reproduzirei com minhas letras. Alberico inicia os comentários com Keith Jarrett e chega até ao pianista Gogô, que é seu amigo, e Arthur Rubinstein, pessoas de quem falei em outros textos.

Na ocasião em que Keith Jarrett veio ao Brasil, não tenho a certeza se foi no ano de 1989, e apresentou-se no Rio de Janeiro, em Salvador e São Paulo. Estavam programadas duas apresentações de Keith com seu trio Gary Peacock no baixo e Jack DeJohnette na bateria no Palácio das Convenções, Anhembi. Alberico foi primeiro. Havia chegado mais cedo e notou que afinavam o piano. Aconteceu o show, mas parece que Keith não gostou de nada: do lugar, que considerou inapropriado e, principalmente, do piano. Para a apresentção do dia seguinte, resolveram levar o Steinway do Teatro Municipal (disse no texto que era do Teatro Cultura Artstica, mas como confio mais na memória alheia).

Segundo Alberico, a pianista Eliane Elias, que servia de porta-voz, comunicou que Jarrett não poderia tocar naquele piano, mas que, em considerção ao público, faria a apresentção. Mas que, se não fosse resolvido o problema do piano, não se apresentaria no dia seguinte. E foi o que aconteceu.

Alberico conta também que, quando ouviu em Washington DC, Jarrett interrompeu a apresentação uns 40 minutos depois de iniciado e chamou o afinador para ajustar uma nota. Seu rigor o mesmo de tantos virtuoses. No quesito de estrelismo ou de frescura. Até o pianista brasileiro Nelson Freire, que não parece nem um pouco antipático, visto reclamando do Steinway da Sala São Paulo, no documentrio dirigido por João Moreira Salles. Diz, inclusive, algo como aquele piano não gosta de mim.

Evidente que, para os virtuoses, qualquer detalhe, como algum problema de afinação, a sonoridade que lhe parece estranha, afetam suas performances. Alguma coisa de errado, por pequena que seja, pode resultar em um desastre. Alberico ressalta em seus comentários uma afirmação de Hermeto Pascoal em que diz que o som que importa o músico, não o instrumento. Tem sua pertinência, porque Keith Jarrett persegue a sonoridade e Hermeto, o som. Em um dos primeiros festivais de jazz que aconteceu na década de 1970, no Palácio das Convenções, em São Paulo, Hermeto fazia sua estupenda apresentação. O piano elétrico para de funcionar e ele o joga ao chão. Típico de Hermeto, que castigava os instrumentos com uma energia explosiva. Nessa noite, fez um dos melhores shows a que assisti até hoje. O taciturno Stan Getz fez sua participação no sax tenor, Chick Corea entrou no palco percutindo dois pedaços de madeira e John McLaughlin, timidamente, entrou tocando uns riffs na guitarra. Hermeto começou a tocar um frevo no piano elétrico, se não me engano. Em alguns segundos, McLaughlin já tinha captado a música e fez um impressionante solo em ritmo de frevo. Foi uma reunião rara que atravessou a madrugada paulista que foi adrenalina pura.

Os pianos, após o transporte e mudança de ambiente, não afinam nem a pau. Ana Maria Lobo, que foi dama de companhia e secretária de Guiomar Novaes, contou a Alberico que ela ia fazer uma apresentação em Baltimore e não tinha gostado do piano. Disse a Ana que entrasse em contato com a fábrica da Steinway e pediu que providenciassem um outro até o dia seguinte. Guiomar, a cada cinco minutos lembrava e perguntava se tudo estava de acordo. Depois de tudo acertado foi dormir. Quando chegou o piano, Ana foi logo acordá-la e perguntou se não queria ir até o teatro testá-lo. Diante de sua não-reação, insistiu. Guiomar respondeu: Calma, minha filha, o piano viajou e está cansado, ele precisa descansar. Depois a gente vê. E voltou a dormir.

Os pianos têm alma, são sensíveis e, pelo jeito, são um tanto neuras. E além do mais, nenhum Steinway é igual a outro Steinway.

Veja trecho do documentário sobre Nelson Freire, dirigido por João Moreira Salles, em que fala de Guiomar Novaes:




Republicação de texto postado pela primeira vez em 11/2/2010

Um comentário:

  1. Meu caro Guen,
    Sou o feliz possuidor do Gua de Jazz em CD, lançado no início dos anos 90, quando o cd dava seus primeiros passos em nosso país.
    Organizado pelo grande Zuza Homam de Melo eescrito também pelo Alberico e pelo querido José Domingos Raffaelli, o livro é uma fonte permanente de consulta.
    Se não for incômodo, por favor, me mande o seu endereço e o do Alberico, pois gostaria de lhes mandar um exemplar do livro Confesso que ouvi (você tem o meu e-mail).
    E sem quereer abusar, mas já abusando, peço a você que o convide para uma visita ao blog Jazz + Bossa, ok?
    Um abraço.

    ResponderExcluir