quinta-feira, 5 de maio de 2011

Herbie Hancock e os novos standards

Às vezes, quem ousa demais dá com os burros n’água. Acho que é o que acontece com The New Standard, de Herbie Hancock, lançado em 1996. Vários músicos das gerações mais novas têm interpretado sucessos “roqueiros” dando-lhes roupagem jazzística. O sax tenor Joshua Redman já fez isso com I Feel Good, sucesso na voz de James Brown. Conheço pelo menos duas interpretações de Imagine, de John Lennon: uma do pianista cubano Gonzalo Rubalcaba – médio – e outra do pianista indiano Vijar Iyer, bem interessante. Geoff Keezer, também pianista, gravou um inovador Venus as a Boy, da islandesa Björk e Brad Mehldau, considerado pelas revistas especializadas o melhor pianista de jazz da atualidade, gravou várias músicas da banda inglesa Radiohead.

Herbie elétrico
Herbie Hancock é, dos que estão em atividade, um dos mais inquietos e experimentais. Nessas suas ousadias, quase sempre é bem sucedido. Aventurou-se pela música clássica compondo peças para a voz da cantora lírica Kathleen Battle e gravou o segundo movimento do Concerto para Piano e Orquestra, de Maurice Ravel. Porém é na eletrificação do jazz que sua contribuição é capital.

Na agitada década de 60, com estudantes indo às ruas, guerra do Vietnã, mudanças de comportamento quanto às drogas e ao sexo, bandas de rock surgiam em cada esquina e o jazz entrava em crise. Artistas de todos os tipos, escritores e poetas da beat generation amavam Brubeck e encantavam-se com Chet Baker. A década virava e o mundo sofria uma reviravolta e o rock explodiu com toda força. Antenado com seu tempo, Miles Davis sentiu que o jazz devia seguir essas transformações. Eletrificou o jazz, no começo, com a adição do do piano elétrico e depois a guitarra elétrica. O universo se rendia ao gênio de Jimi Hendrix. Bem, sobrou para Hancock. Apesar da resistência inicial de explorar as possibilidades do Fender Rhodes, acabou “convencido” pelo chefe da banda. Valeu a forçada de barra. Miles acendera a chama da inquietude que hibernava dentro dele.

Curiosamente, mesmo tendo se “submetido” às vontades do dono da banda, foi “saído”: quando voltou da lua-de-mel, recebeu o “bilhete azul”. Antes e durante o tempo em que esteve tocando no quinteto de Davis, continuou a gravar vários discos-solo pela Blue Note. E eles, até hoje, continuam modernos.

No álbum The New Standard gravou apenas “clássicos” do pop/rock das décadas seguintes a de 1970, à exceção de Norwegian Wood, de Lennon & McCartney e Scarborough Fair, cantada por Simon & Garfunkel, que são dos anos 1960. Tem Peter Gabriel (Mercy Street), Prince (Thieves in the Temple), a anglo-nigeriana Sade (Love Is Stronger than Pride) e Nirvana (All Apologies). Após ouvir o CD inteiro, o melhor a se fazer é sair correndo atrás das interpretações originais: são muito melhores. Dá saudades de ouvir a voz dilacerada de Kurt Cobain. E olhe que os “sidemen” são de primeira: Jack DeJohnette na bateria, Dave Holland no baixo, Don Alias na percussão, Michael Brecker no sax e John Scofield na guitarra. Estranhamente, não aconteceu a química. Brecker toca um sax soprano que mais parece o meloso Kenny G, e John Scofield – bom, aí vai uma pequena dose de preconceito – como sempre, toca uma guitarra pavorosa.

Desde o início de sua carreira, Hancock sempre esteve antenado com o seu tempo. Basta lembrarmos de que é autor de Cantaloupe Island, que tornou-se conhecida pelo público mais jovem por meio da interpretação sampleada do grupo Us3. Outra composição, Watermelon Man, também é um exemplo de como no início da década de 1960 Hancock já era funk, absorvendo alguma coisa da música popular. É certo que era uma tendência ou corrente dos contratados do selo Blue Note. O guitarrista Grant Green fazia um som mais vibrante e “balançado”, assim como o pianista Horace Siver.

Em 1976, quando gravou o excepcional Headhunters usando vários instrumentos eletrônicos até então estranhos ao mundo do jazz, como o clavinete e o sintetizador Arp Odissey, apenas ampliava os limites da música, demonstrando que fronteiras são mesmo para serem atravessadas. Hancock trilhou pelo caminho aberto pelo revolucionário Bitches Brew, de Miles Davis, e soube construir seu próprio caminho. Logo depois da saída do quinteto de Miles montou uma banda de primeira com caras como o brilhante sax-barítono e clarinetista-baixo Bennie Maupin, além de incluir guitarras “wah-wah”, incorporando elementos da música popular negra. Headhunters, é “O” clássico do jazz-fusion. São releituras radicalmente eletrônicas de músicas que havia composto na década de 1960. Na sua busca pela contemporaneidade misturou o jazz com a soul music, com o funk de Sly and The Family Stone e, mais tarde flertou até com o hip-hop. Herbie Hancock não é apenas moderno. Parafraseando Drummond, cansou de ser moderno. Ele está em seu mister para ser eterno.

Cantaloupe Island com Hancock e parceiros de primeira: Dave Holland, Pat Metheny e Jack DeJohnette.



Publicado em 10/11/2009

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