quinta-feira, 7 de abril de 2011

Joni Mitchell e seu amor pelos baixistas

Paprika Plains é uma música de dezesseis minutos e meio. Deve ser a mais longa que Joni Mitchell gravou. A peça tem a estrutura de uma suite, pois se desdobra em climas e tempos diversos. Vale a pena ouvi-la. Depois dos primeiros versos cantados há um longo “colóquio” do piano tocado por Joni com a orquestra regida por Michael Gibbs. Na reentrada da voz, o baixo de Jaco Pastorius e a bateria de John Guerin servem de introdução para o solo do sax soprano de Wayne Shorter. A música começa de um jeito, fica de outro e termina outra. Parece que o baixista Charles Mingus gostou dela e isso serviu de pretexto para que se conhecessem pessoalmente.

Mitchell e Charles Mingus
O encontro dos dois rendeu o disco Mingus. Por obra do destino tornou-se uma espécie de testamento do baixista. Mingus morreu em 1979 com 56 anos, na mesma época em que o disco estava sendo lançado. Há um lugar especial na história do jazz para ele. Com Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Bud Powell e Max Roach revolucionaram o jazz com o bebop. Porém sua música extrapolou esse estilo. Sua concepção “orquestral” era rica em climas contrastantes que alternavam calma e fúria. As aspas são em razão de me referir a algo diferente de se ser um grande arranjador como foram Nelson Riddle ou são Bill Holman e Maria Schneider, que são nomes associados às big bands. Falo de formações menores. Mingus foi único, inventando belas sonoridades em harmonizações com o trombone, o trumpete e os saxofones. A cozinha com seu baixo e a bateria de Dannie Richmond era a base perfeita para os voos dos sopros. Seus pianistas, como ele, eram ferozes mas sabiam ser doces. Os climas que criava em suas longas peças eram fenomenais e são comparáveis aos que Duke Ellington produzia com o sax barítono de Harry Carney, o alto de Johnny Hodges e os tenores que passaram por sua banda.

O projeto de Joni Mitchell envolveu encontros com o baixista já preso à cadeira de rodas em sua residência no México. Trechos das conversas e brincadeiras – até um ‘parabéns pra você’ com direito a um “motherfucker” proferido por ele – foram intercaladas com as músicas gravadas. É isso que dá um tom “diferente” ao disco e também um certo tom de testamento ao qual me refiro no parágrafo anterior. No que o álbum pode ser considerado jazzístico? Apenas porque coloca letras em composições de Mingus? Não. O que diferencia o jazz do pop? Pode ser a improvisação ou a exploração de temas e suas variações. E é o que Joni faz, acompanhado do baixista Jaco Pastorius, do sax de Wayne Shorter, de Herbie Hancock no piano elétrico, de Don Alias na percussão e Peter Erskine na bateria. De todas as músicas do disco, a melhor, disparado, é Goodbye Pork Pie Hat, que Mingus havia composto em homenagem ao saxofonista tenor Lester Young e seu inseparável chapeu.

Outro projeto “jazz” de Mitchell é o show Shadows and Light, disponível em dvd e cd importados. É maravilhoso e, na minha opinião, sua melhor incursão pelo terreno jazzístico. O time é de primeiríssima: Pastorius, seu parceiro dos discos anteriores, o guitarrista Pat Metheny em sua melhor forma, o tecladista Lyle Mays, parceiro de Pat na época, o saxofonista tenor Michael Brecker e Don Alias na bateria. Tem um solo espetacular de Metheny em Amelia e uma performance matadora de Pastorius em que “tasca” um trecho de ‘Third Stone from the Sun’, de Jimi Hendrix. Mas o melhor ficou para o final: Shadows and Light com Joni, o sintetisador de Lyle Mays e o grupo vocal The Persuasions (vejam em: http://bit.ly/98vFBB). Maravilha pura. Mas como nada é perfeito: que combinação mais estranha aquela calça verde que vai até pouco abaixo do joelho, de lacinho, com a blusa violeta que Joni veste no show!

God Must Be a Good Man




A Chair in the Sky



Publicado em 26/11/2009

3 comentários:

  1. Guen, delícia de post. A foto do Mingus com a Joni eu não conhecia, é bem expressiva da intimidade que eles devem ter criado neste encontro. Ela inclusive fez uma pintura linda do Mingus na cadeira de rodas, que está na contracapa do disco. Bem, quando conheci o disco era o tempo dos LPs... Eu amo este disco. Comprei quando saiu. Por acaso, fui baixista por muito tempo e também percebi esta paixão da Joni pelos baixistas. Me incluí na lista por minha conta!
    Mas eu gosto muito da música The Dry Cleaner Fron Des Moines. O arranjo é do Jaco, que escreveu um set de metais animal! É puro rock'n roll na energia. Levaria para uma ilha deserta, com certeza. Abração.

    ResponderExcluir
  2. Sergio, benvindo. Vou postar mais na seguida. Abs.

    ResponderExcluir
  3. Sergio, esqueci de lhe dizer uma coisa. Esses posts são republicações dos que escrevi um tempo no blogue do Paulo Moreira Leite, da revista Época. Como o foco dele era política, desconvidei-me e resolvi montar um próprio que é o sobretudo,música: www.guenyokoyama.blogspot.com
    Abs

    ResponderExcluir