quarta-feira, 22 de junho de 2011

Larry Klein: bons produtores, bons produtos

O produtor e baixista Klein
Não dá para ignorar a importância da figura do produtor musical. Não é à toa que o britânico George Martin era considerado o “quinto beatle”: é um reconhecimento de sua influência sobre o som do quarteto formado por John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Star. No Brasil, nos anos 1980, o ex-baixista dos Mutantes, Liminha, sob alguns aspectos, pode ser considerado um dos artífices da explosão do pop/rock, produzindo Titãs, Chico Science & Nação Zumbi, Barão Vermelho, Gilberto Gil, Lulu Santos, Ritchie e outros mais. Às vezes, a mão do produtor pode anular o produto. É o caso de Lincoln Olivetti, muitas vezes acusado de impor um estilo pasteurizado que igualando o trabalho e repertório de artistas díspares como Gal Costa, Wando, Gilberto Gil e Rita Lee.

Por alguma coincidência, um dos grandes produtores da atualidade, começou tocando baixo, como o brasileiro Liminha. Em 1982, Larry Klein entrou para a banda que acompanhava a canadense Joni Mitchell. Tornaram-se parceiros na música e na vida. Produziu com Mitchell uma boa leva de cds muito bem recebidos pela crítica e representou uma mudança de rumo em sua carreira, reaproximando-a do pop. Mesmo com o fim do casamento, em 1994, ano do lançamento de Turbulent Indigo, continuou a colaborar com ela em Both Sides Now, gravado com orquestra. Aproveitando o formato de Both Sides, gravaram o duplo Travelogue, que contém vários sucessos antigos de Mitchell. O bom produtor é aquele que sabe realçar as qualidades dos seus intérpretes. (sobre Joni Mitchell, leia: http://bit.ly/itpMsv ,  http://bit.ly/k81URE , http://bit.ly/kmauYk , http://bit.ly/eX6YHX , http://bit.ly/md969w)
Além dela, Klein produziu os últimos álbuns de Madeleine Peyroux, Careless Love (2004) e Half the Perfect World (2006) e Bare Bones (2009). Peyroux tinha gravado seu primeiro disco Dreamland em 1996. Imediatamente, por causa do timbre muito parecido ao de Billie Holiday, ganhou projeção. E sumiu. Reapareceu em grande estilo realizando um álbum impecável. Seria a mão de Klein? (sobre Peyroux, leia: http://bit.ly/hEOMMehttp://bit.ly/lYZbSu)

Dentre outros, produziria também o trumpetista e cantor Till Brönner – uma espécie de carbono de Chet Baker piorado – em Oceana (2006) e Rio (2008) – este último, lançado no Brasil. Na minha opinião – conheço apenas Rio – a mão de Klein é primordial para que o disco seja razoável. Juntou uma penca de convidados ilustres: Milton Nascimento, Vanessa da Mata, Luciana Souza, Annie Lennox, Aimee Mann, Melody Gardot e Kurt Elling. Bom, com um time desses, qualquer curioso se arrisca a conhecer Till Brönner. Foi o que aconteceu comigo.

Larry Klein tem mostrado competência como produtor, principalmente com cantores e cantoras. Em 2007, produziu o CD The New Bossa Nova, de Luciana Souza. Por coincidência, com a mesma “química” que ocorrera com Joni Mitchell: os dois, atualmente, são parceiros na música e na vida.

Para frisar de como o trabalho de um produtor pode ser um diferencial, basta comparar o primeiro CD de Melody Gardot com o segundo, My One and Only Thrill, produzido por ele (sobre Gardot, leia http://bit.ly/eXhQSQ). E fica a expectativa se não acontece no futuro um novo casamento.

Joni Mitchell canta Sex Kills.




Luciana Souza canta Saudade da Bahia.



Melody Gardot canta Baby, I’m a Fool: http://youtu.be/4Eb651s_o1Q (maravilhoso)

Publicado em 27/10/2009

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Keith Jarrett em São Paulo

Conversar com meu amigo Alberico Cilento é um dos bons prazeres que alguém pode ter. Poucos conhecem mais música do que ele. Não conhece apenas o jazz. Gosta de qualquer gênero musical, contanto que seja de boa qualidade. Com ele converso sobre música erudita, jazz e até bolero. Posso também trocar ideias sobre arquitetura, artes plásticas, cinema, enfim, sobre qualquer coisa que esteja relacionada à arte. Até onde pude pegar, seus ídolos são o pianista Erroll Garner e o arquiteto Frank Lloyd Wright. Tinha enviado o link de alguns textos, dentre eles, o ‘Dalva, Herivelto e Keith Jarrett’ (http://bit.ly/mGWeDT). Recebi um e-mail com alguns comentários que reproduzirei com minhas letras. Alberico inicia os comentários com Keith Jarrett e chega até ao pianista Gogô, que é seu amigo, e Arthur Rubinstein, pessoas de quem falei em outros textos.

Na ocasião em que Keith Jarrett veio ao Brasil, não tenho a certeza se foi no ano de 1989, e apresentou-se no Rio de Janeiro, em Salvador e São Paulo. Estavam programadas duas apresentações de Keith com seu trio Gary Peacock no baixo e Jack DeJohnette na bateria no Palácio das Convenções, Anhembi. Alberico foi primeiro. Havia chegado mais cedo e notou que afinavam o piano. Aconteceu o show, mas parece que Keith não gostou de nada: do lugar, que considerou inapropriado e, principalmente, do piano. Para a apresentção do dia seguinte, resolveram levar o Steinway do Teatro Municipal (disse no texto que era do Teatro Cultura Artstica, mas como confio mais na memória alheia).

Segundo Alberico, a pianista Eliane Elias, que servia de porta-voz, comunicou que Jarrett não poderia tocar naquele piano, mas que, em considerção ao público, faria a apresentção. Mas que, se não fosse resolvido o problema do piano, não se apresentaria no dia seguinte. E foi o que aconteceu.

Alberico conta também que, quando ouviu em Washington DC, Jarrett interrompeu a apresentação uns 40 minutos depois de iniciado e chamou o afinador para ajustar uma nota. Seu rigor o mesmo de tantos virtuoses. No quesito de estrelismo ou de frescura. Até o pianista brasileiro Nelson Freire, que não parece nem um pouco antipático, visto reclamando do Steinway da Sala São Paulo, no documentrio dirigido por João Moreira Salles. Diz, inclusive, algo como aquele piano não gosta de mim.

Evidente que, para os virtuoses, qualquer detalhe, como algum problema de afinação, a sonoridade que lhe parece estranha, afetam suas performances. Alguma coisa de errado, por pequena que seja, pode resultar em um desastre. Alberico ressalta em seus comentários uma afirmação de Hermeto Pascoal em que diz que o som que importa o músico, não o instrumento. Tem sua pertinência, porque Keith Jarrett persegue a sonoridade e Hermeto, o som. Em um dos primeiros festivais de jazz que aconteceu na década de 1970, no Palácio das Convenções, em São Paulo, Hermeto fazia sua estupenda apresentação. O piano elétrico para de funcionar e ele o joga ao chão. Típico de Hermeto, que castigava os instrumentos com uma energia explosiva. Nessa noite, fez um dos melhores shows a que assisti até hoje. O taciturno Stan Getz fez sua participação no sax tenor, Chick Corea entrou no palco percutindo dois pedaços de madeira e John McLaughlin, timidamente, entrou tocando uns riffs na guitarra. Hermeto começou a tocar um frevo no piano elétrico, se não me engano. Em alguns segundos, McLaughlin já tinha captado a música e fez um impressionante solo em ritmo de frevo. Foi uma reunião rara que atravessou a madrugada paulista que foi adrenalina pura.

Os pianos, após o transporte e mudança de ambiente, não afinam nem a pau. Ana Maria Lobo, que foi dama de companhia e secretária de Guiomar Novaes, contou a Alberico que ela ia fazer uma apresentação em Baltimore e não tinha gostado do piano. Disse a Ana que entrasse em contato com a fábrica da Steinway e pediu que providenciassem um outro até o dia seguinte. Guiomar, a cada cinco minutos lembrava e perguntava se tudo estava de acordo. Depois de tudo acertado foi dormir. Quando chegou o piano, Ana foi logo acordá-la e perguntou se não queria ir até o teatro testá-lo. Diante de sua não-reação, insistiu. Guiomar respondeu: Calma, minha filha, o piano viajou e está cansado, ele precisa descansar. Depois a gente vê. E voltou a dormir.

Os pianos têm alma, são sensíveis e, pelo jeito, são um tanto neuras. E além do mais, nenhum Steinway é igual a outro Steinway.

Veja trecho do documentário sobre Nelson Freire, dirigido por João Moreira Salles, em que fala de Guiomar Novaes:




Republicação de texto postado pela primeira vez em 11/2/2010